terça-feira, 24 de março de 2015

Esboçando reflexões sobre o parir

No dia em que eu encontrei dentro de mim a certeza de que estava na hora de engravidar, eu não sabia uma porção de coisas que me esperavam. Tinha uma ideia do processo baseada num saber observador do mundo que me cercou até o dia em que eu decidi engravidar. Por mais que sempre desejei estar grávida, ter um filho, construir uma família, a imersão na experiência só vem mesmo com ela. O saber anterior é bastante primário (no meu caso, ao menos), e nesse meu lugar de ignorância sobre a realidade atual do processo de engravidar e parir, eu imaginava que as coisas seriam mais fáceis.

Uma vez mergulhada, como já disse em outros posts, cruzaram meu caminho pessoas com uma linha de pensamento que vai contra a maré da grande maioria da sociedade brasileira. Pessoas ligadas à luta anti-cesárea desnecessária, contra os procedimentos desnecessários tanto numa cesárea quanto em um parto normal, a busca por uma experiência humanizada, a desvinculação da lógica medicamentosa no trabalho de parto e a valorização de um processo o mais natural possível, passaram a permear a minha rotina.

No entanto, ao embarcar nesse mundo, eu não imaginava que estaria travando uma guerra silenciosa com muitos ao meu redor. Já adianto que meus posicionamentos a favor da defesa do empoderamento da mulher e de seu direito de parir não significam que eu não respeite quem opta por um caminho diferente. Eu ando aprendendo nos últimos tempos (algo óbvio, mas talvez eu nunca tivesse parado para pensar) que um dos elementos mais importantes no processo é a mulher (e o bem estar do bebê, claro), e se é exercido seu livre-arbítrio, não estou em meu direito de julgar se sua escolha se difere da minha. Que isso fique claro.

Uma cesárea nunca havia passado pela minha cabeça mesmo antes de eu engravidar, mas sua existência não me assombrava. Como consequência natural da equipe que eu escolhi e dos profissionais dos quais eu me aproximei, essa reflexão tomou outros rumos e ganhou outras dimensões.

Existe uma vertente no Brasil (e eu não me aprofundei a ponto de dizer há quanto tempo essa discussão tem sido retomada) que defende o direito da mulher de protagonizar o próprio parto. As discussões giram em torno de uma série de elementos que eu vou elencar, mas não vou me atrever a me aprofundar, porque ainda estou em processo de aprendizado:
  • Há dados estatísticos alarmantes que apontam para o número elevado de cesáreas realizadas no Brasil - tanto no setor público quanto no privado -, com evidências que apontam para um quadro que envolve questões (principalmente) de ordem econômica e cultural, no qual diversas mulheres são submetidas a um procedimento cirúrgico muitas vezes desnecessário.
  • Li que a Organização Mundial de Saúde recomenda que o índice de cesáreas em um país seja de 15%. O Brasil é um dos maiores recordistas em cesáreas, principalmente na rede privada, onde esse número supera os 80%.
  • Na rede privada (e agora estou falando especificamente de minha cidade, Belo Horizonte) já existem hospitais construindo suítes para parto normal, no entanto, é praxe a realização de uma série de intervenções, também na maioria das vezes desnecessárias, tais como episiotomia, aplicação de ocitocina para acelerar o trabalho de parto, colocar a gestante na horizontal durante o período expulsivo (o que dificulta o trabalho de parto, pois esta não é uma posição que favorece a gravidade para o bebê descer), aplicação de anestesia (mesmo quando não é solicitada), dentre outras coisas.
  • Nessa lógica também não é valorizado o contato pele a pele imediatamente após o parto e na maioria das vezes o bebê mal passa pelos olhos da mãe e é submetido a uma série de procedimentos.
  • O cordão umbilical é cortado imediatamente (claro que em uma cesárea é necessário para que se finalize a cirurgia na mãe, estou me referindo ao parto normal) e há estudos que comprovam a importância de esperar que o mesmo pare de pulsar, pois nesse processo há uma troca significativa de nutrientes e vitaminas para o bebê (há mais sobre isso, como eu disse, ainda estou em processo de aprendizado).
  • Muitas das vezes, nessa lógica medicamentosa, o processo do aleitamento materno também é deixado de lado e um bebê que poderia amamentar, é submetido ao leite superficial sem necessidade.
  • Se a gestante não se aproxima de uma equipe humanizada, a probabilidade dela não ser informada acerca dos elementos acima e ser submetida a uma cesárea ou a procedimentos desnecessários em um parto normal, é bem grande, enorme.
  • Parir não é algo simples.


Enfim, a lista é grande e eu realmente não desejo – pelo ao menos nesse momento – militar veementemente acerca do tema.

Quero mesmo voltar na guerra silenciosa.

Tenho para mim que, apesar de todo o amor em volta, de todo o desejo de que tudo corra bem por parte dos nossos entes queridos e amigos, no fundo, bem no fundo, a gravidez é muitas das vezes um processo muito solitário. Já explorei isso antes sob outros aspectos, mas para além do fato óbvio de que quem vivencia a gravidez na carne é a mulher (no sentido dos desconfortos, do peso e das maravilhosas sensações), ando chegando à conclusão de que do gestar ao nascer muito mais coisas estão envolvidas do que sonha nossa vã ilusão de um processo mágico e tranquilo.

Apesar de eu ser uma pessoa muito mais dos sentidos que da razão (algo que eu adoraria mudar se estivesse ao meu alcance), estou envolta por uma leitura racional do mundo, pelo universo do saber, do conhecimento e da ciência. E talvez me faltem elementos e mais estudos para que eu possa defender meus pontos de vista sempre sob a ótica da racionalidade e a partir de dados científicos, o que frequentemente implica em meu posicionamento ser visto como mais um ato de paixão que razão.

Cansa a sensação de que constantemente eu tenho de oferecer dados comprobatórios do que eu defendo, porque no final das contas é a minha personalidade sensível que sempre parece se destacar quando eu me projeto para o mundo.

Talvez eu me envolva ainda mais com esses estudos e linha de pensamento. Apesar de eu vir do universo do cinema, que se tornou o ofício no qual atuo como docente e pesquisadora, talvez eu mude o rumo e o Antônio, além de ser o elemento mais transformador da minha alma, também me traga de volta o exercício da escrita (não acadêmica) e me ajude a direcionar meu foco profissional para outro lugar, quem sabe.  

Fato é que se por um lado não podemos entrar em uma caverna e lá vivermos as angústias e delícias da gestação e do parir, por outro também não acredito que tenhamos de oferecer respostas concretas a todos os questionamentos que o mundo nos impõe. Para que meu filho nasça como eu desejo parece não bastar que eu deseje. E não basta, claro. Tudo pode acontecer e pode ser que daqui a uns meses eu volte para relatar a cesárea que eu tive de fazer. Se eu tiver, se minha equipe me disser que eu terei de fazê-la e me explicar detalhadamente os motivos, assim será.

Tenho grande respeito pelos homens e mulheres que têm batalhado por uma outra experiência do parto, seja como profissionais da saúde, como militantes, como gestantes, pais, etc. Não é fácil ir contra a maré, e, que engraçado, ao me aproximar deles percebi que eles não estão contra, eles defendem a mudança de uma lógica que se tornou a dominante sem precisar ser. A cesárea não é inimiga, é bem mais profundo que isso.

A questão é que a nossa sociedade abraçou o parto como um evento hospitalar e medicamentoso e toda a aura de segurança que a ciência exercida assim nos passa, ganhou dimensões desproporcionais. Aos poucos eu esboço essas ideias um pouco atabalhoadas com mais critério... por hora eu digo que não enxergo um movimento anti-ciência, anti-médicos, e de adesão hippie em um universo sem conceito acadêmico e científico. É uma pena que essa batalha tenha ganhado vestes assim aos olhares do mundo.

quinta-feira, 19 de março de 2015

Relatos de gravidez

Já mencionei algumas coisas sobre o meu processo, das demoras do início e esbocei aprofundar meu sentimento de não saber que gravidez era como é. Acho que vale explorar isso um pouco mais, vai que ilumino a cabeça de uma novata nessa experiência maluca e deliciosa da maternidade.

Assim que descobrimos a gravidez, eu fiz o beta HCG quantitativo, o exame que calcula a quantidade de hormônios da gravidez, gonadotrofina coriônica humana. Eu poderia ter feito o beta qualitativo, aquele cujo resultado é apenas “positivo” ou “negativo”, mas havia lido que o quantitativo é mais preciso por conter esse valor exato de hormônio no sangue. Segunda-feira, 10 de novembro de 2014, corri ao laboratório e fiz o exame, que ficou pronto no fim da tarde. Mais de 6 mil! Sim, eu estava grávida.

Aí se iniciou uma jornada, que acaba de passar da metade.

O próximo passo era marcar uma consulta com um obstetra e fazer um ultrassom, para verificar se a gravidez era única ou gemelar, para determinar a idade gestacional e para saber se o bebê estava no lugar certo. Sim, ele podia estar fora do útero, a chamada gravidez ectópica. Poderia ser anembrionária, ou seja, ter formado o saco gestacional, mas o mesmo não conter um embrião. Estou falando, o mundo da gravidez é muito, muito maluco.

Devido ao evento em que eu iria trabalhar, só consegui marcar obstetra para o dia 26/11, uma das mil eternidades que nos aguardavam. Não consegui consulta com o obstetra que haviam me indicado, referência em parto normal e natural em BH. Marquei com outro médico, também indicação, li que já havia ganhado prêmios pela quantidade de partos normais executados na Maternidade da Unimed.

Esses 16 dias foram o equivalente a 287 dias dentro de mim. Eu não sabia de nada, o que eu podia e não podia comer, se havia restrições do tipo subir escadas e o trabalho que se antecedeu à consulta foi um teste de paciência como poucos que eu já tinha vivido.

Enfim chegou o dia. A clínica era bem bonita e não demoraram para nos chamar. O obstetra, um homem sério e levemente sisudo, fez algumas perguntas, passou informações e disse algumas coisas em um tom que não me agradou. Primeiramente, quando eu manifestei o desejo do parto normal (eu ainda não sabia das diferenças entre normal e natural), ele soltou de imediato: “a gente vai fazer de tudo, mas não há como garantir”. Daí começou a criticar vorazmente o parto domiciliar, utilizando termos um tanto quanto pejorativos e trazendo dados estatísticos que confirmam que só não dá mais problema, porque em geral as gravidezes são mais bem sucedidas que o contrário. Fui desanimando.

Eu havia levado uma lista de perguntas com dúvidas minhas e questões que eu havia pesquisado na internet (já havia iniciado meu afã pesquisador e caxias com a gravidez). Meu marido saiu da sala para atender ao telefone e eu perguntei ao médico se, caso tivesse alguma dúvida, poderia procurá-lo por e-mail ou telefone. Recebi friamente a resposta pronta “dúvidas, favor aguardar a próxima consulta”. Ali eu desanimei por completo.

Ele compensou um pouco o mal jeito quando ofereceu para eu fazer o ultrassom naquela hora. Meu coração disparou e meu marido voltou para a sala. Ele disse para esperarmos lá embaixo, mas quando descemos o médico havia saído para almoçar. Fui colocada como prioridade para o primeiro horário após o almoço, no entanto, meu marido não poderia ficar.  

Saímos para almoçar, voltamos, despedi do meu marido e fiquei sentada no corredor contando cada segundo.

Após às 14:00 o médico do ultrassom voltou e um pouco depois me chamaram. Era um homem mais sisudo ainda, mais velho, daqueles que parecem não gostar do que fazem. Mas eu estava com a cabeça em outro lugar, podia até ser um robô. Coloquei o roupão e deitei na maca. Ele começou o exame e pouco tempo depois me disse: “aqui o saco gestacional, aqui o bebezinho”. Meu coração disparou como nunca antes. Aquela micro coisinha de 7 milímetros estava ali, feito uma lagartinha esperando virar borboleta. E como seu coração batia. 132 batimentos por minuto, um ser de 7 milímetros!

Comecei a chorar e o médico chamou a minha atenção, porque eu estava mexendo a barriga. Claro que eu estava mexendo a barriga, quando a gente chora e respira fundo é o que costuma acontecer, ô robô de titica.

Ele me deixou filmar, após finalizar o exame e repetiu as informações, até pareceu um pouquinho mais humano do alto de sua estupidez.

Saí de lá levitando. Mandei o vídeo pro meu marido e liguei para ele. Não aguentaria esperar nem mais um segundo para contar aos nossos pais. Naquele dia, 26/11/14, era a final da Copa do Brasil de futebol, com disputa mineira entre o Atlético e o Cruzeiro, só isso. O nosso Galo contra nosso maior rival e aquilo simplesmente tinha perdido a importância, mas o desafio agora era convencer o meu sogro, atleticano doente, a “assistir” ao jogo em nossa casa. Eles não podiam desconfiar e foi um sufoco. Ele nunca assiste aos jogos do Galo e minha sogra tinha medo dele passar mal. Nós não podíamos estragar a surpresa com nenhuma dica, porque eles estavam tão focados em serem avós, que iriam acabar sacando. Ao longo do dia demos uns três telefonemas inventando desculpas esfarrapadas e conseguimos convencê-los. A minha mãe topou prontamente. Compramos uns quitutes e eu peguei o mesmo mini body que tinha colocado na caixa pro meu marido quando contei para ele e pus num embrulho para presente.

Eles chegaram e tudo o que eu queria era dar a notícia, mas se não há atriz em mim, em meu marido há uma total genialidade. Ele segurou a onda na maior tranquilidade e agiu como se fosse uma noite comum, não fosse o clássico por começar. Ligamos a TV, o jogo começou. Aos 9 minutos eu já não aguentava mais – e, claro, tive medo real do meu sogro passar mal e a noite ir para as cucuias. Olhei feio pro marido, aquele olhar típico de nós mulheres e ele, sem pestanejar, desligou a televisão.

Os três olharam para nós sem entender nada e meu marido disse que tínhamos uma coisa para falar com eles. Eles levantaram e eu peguei o embrulho. Disse que eles tinham que abrir juntos. A minha mãe e sogra embarcaram na proposta e meu sogro ficou mais distante, olhando. As duas seguraram, cada uma, a ponta do laço, e ficaram enrolando para puxar. O sogro perdeu a paciência e de maneira hilária tomou o embrulho delas. Quando abriram e viram o body, a minha mãe desatou a chorar, copiosamente, foi lindo de ver. Meu sogro começou a chorar e foi abraçar meu marido e a minha sogra congelou – um delay muito parecido com o do meu marido quando abriu a caixa que eu fiz pra ele.

Ela estava mais perto de mim, então eu a puxei e disse “eu estou grávida, sô” (no melhor estilo mineiro). Aí foi um choro convulsivo, nós cinco chorando, nos abraçamos, eles sem entender nada. Peguei o vídeo do ultrassom e todos nos deliciamos com a lagartinha mais linda que a Terra há de criar. Ouvimos seu coraçãozinho e choramos mais um pouco. Como sugestão da minha sogra, enviei o vídeo do ultrassom pelo whatsapp para a minha cunhada que mora longe de nós e não falei nada.

Uns dois, três minutos e ela em silêncio. De repente ela perguntou: “é o que eu estou pensando?”. Minha sogra ligou pra ela, a colocou no viva-voz e foram 20 minutos de gritos e celebrações, que noite especial. Nessa catarse coletiva, esquecemos do jogo, até que lá pelas tantas ouvimos gritos na rua e lembramos que só a gente sabia do meu ultrassom, então religamos a TV. O Galo ganhou o jogo, o campeonato. Eu estava grávida e o Galo era campeão da Copa do Brasil. Confesso que no calor da hora nem comemorei este fato direito, mas que foi lendário e que o Antônio foi anunciado em um dia pra lá de especial, não há dúvidas.   

Aí se seguiram alguns meses de muito desconhecimento de causa, algumas muitas angústias e alegrias-mil.

Eu realmente havia idealizado a gravidez de uma forma muito idílica e irreal. Apesar disso, hei de confessar que meu primeiro trimestre foi um sonho para qualquer mulher, porque eu praticamente não tive enjoo. Senti o maior sono que um ser humano pode sentir, é verdade, e dormia quase que em pé no meio de uma conversa, mas a parte mais complicada eu não experimentei, ainda bem. Estava de férias, o que ajudou bastante no processo de descanso, e eu dormi tudo que eu podia. Mas cadê a barriga, cadê os movimentos, como eu podia estar grávida e não parecer grávida?

Aquilo me incomodou por um bom de um tempo, hei de confessar. Estou falando algo que pode parecer óbvio, mas realmente foi muito estranho vivenciar 4 meses de gravidez sem praticamente nenhum sinal de meu estado.

Decidi me tornar uma acadêmica da gravidez e mergulhei em tudo que pude: hidroginástica, acompanhamento com nutricionista, fisioterapia pélvica, acupuntura, yoga para gestantes, muita leitura e encontros para grávidas. Escolhi a dedo a equipe que quero conosco no dia do parto, para garantir que só vou fazer cesárea se for realmente necessário e que terei o atendimento mais humanizado possível. Encontrei o meu obstetra, aquela referência que eu mencionei acima, e agora me sinto muito mais segura, mas isso fica para a próxima postagem. Comecei a aprender um sem-número de coisas e hoje ainda acho que não sei nem 10%.

Descobri algumas coisas no processo que podem ser unânimes, como podem não acontecer com qualquer gestante, mas vai que ajuda:

  1. Sim, os hormônios da gravidez nos tornam seres humanos muito, muito peculiares. Não é imediato, meu marido teve uns três meses de paz, mas a coisa surge de uma hora pra outra. Vamos de um sentimento intenso de amor ao ódio mais profundo em uma fração de segundos. Eu costumo fazer autocrítica dos meus atos uns 30 segundos depois, mas não deixo de “cometê-los”.
  2. A gente sente fome, mas não é tão exagerada como eu imaginava. E sim, desejo existe. Para mim não foi nada estapafúrdio, mas vontade de comer coisas que em geral não me apetecem, tais como sorvete de flocos e iogurte de morango, que em geral eu detesto. Ando afastada de salmão, meu peixe favorito. Tive uma fase de querer tomar sorvete todos os dias. E adoro (mais do que antes) uma pimenta na comida. Mas nada muito extraordinário.
  3. O meu nasal passou por uma mutação. Virei a super-heroína gestacional cujo poder é o super olfato. Todo e qualquer cheiro do mundo resolveu se alojar em meu nariz. Eu não sentia cheiros muito bem, direto meu marido me chamava pra perguntar se eu não estava notando nada estranho na geladeira e eu era incapaz de perceber. Agora eu virei um cão farejador, sou capaz de perceber detalhes de coisas boas e ruins a uma distância inacreditável.
  4. Ficar perto de fumantes se tornou algo impossível. Eu já tinha antecedentes (detesto cigarro), mas agora se o fumante está a 20 metros eu o sinto como se estivesse ao meu lado, o que inviabilizou sentar ao ar livre em lugares públicos.
  5. Eu já bebia muita água e minha bexiga funcionava bastante, mas agora eu não saio do banheiro. E foi-se aquela deliciosa sensação de alívio quando estamos apertados e chegamos no apartamento correndo pro banheiro. Vou, mas não me satisfaz, pois daqui a 10 segundos será necessário ir novamente.
  6. Grávidas têm sonhos bizarros. Já li que tem relação com a quantidade de progesterona em nosso organismo. Tenho sonhos vívidos, às vezes eróticos e às vezes absurdamente surreais.
  7. Achar uma posição confortável na cama se tornou algo da ordem do impossível. Desde cedo comecei a ter dor na parte de baixo da minha coluna. A minha fisioterapeuta me explicou que essa dor se concentra em um osso chamado sacro (belo nome, não?), e isso acontece devido ao estiramento de nossa bacia, que se prepara para o parto. Li também que dormir do lado esquerdo é o mais indicado, principalmente porque facilita a circulação entre a mãe e o bebê. No entanto, às vezes eu entalo. Esta semana experimentei uma dor em um osso que, de acordo com pesquisas e nova conversa com a fisioterapeuta, se chama cabeça do fêmur. Literalmente entalei na cama no meio da madrugada e tive de ser içada pelo meu marido para conseguir sair, fora a dor insuportável que eu senti.
  8. A gente experimenta incômodos e dores diversas nunca antes imaginadas. Algumas suportáveis, outras bem chatas. Algumas nos preocupam, mas meu obstetra já disse que se não houver sangramento, febre ou uma dor muito, muito intensa, não há com o que me preocupar. Claro, apesar de saber disso, já fui umas três vezes ao pronto-atendimento, porque ninguém é de ferro, coração de mãe às vezes se engana, mas é melhor ouvir.
  9. Há um travesseiro que parece uma salsicha grande. Grávidas, adquiram. À exceção do marido ao lado, esse é um maravilhoso companheiro para amenizar a crise da posição impossível.
  10. Enxaqueca às vezes é companheira. No meu caso, à exceção do chocolate que eu não consegui cortar, tirei a cafeína proveniente do café e refrigerante. Parei de tomar e no início fui presenteada com uma enxaqueca terrível. No segundo semestre tive um tanto quanto também, mas a acupuntura tem ajudado.
  11. Refluxo é o meu nome. Não tive enjoo, mas há determinadas coisas que eu como que causam uma sensação de queimação na garganta e parece que vou devolver o alimento à terra, mas não aconteceu. Às vezes um copo d´água desencadeia o processo. E me disseram que dura até o final da gravidez.
  12. Eu não tomo remédios na gravidez. A única exceção é o Buscopan Duo, indicação do obstetra. Às vezes alivia dores, cólicas e até dor de cabeça. Mas no fundo estou gostando de experimentar a vida sem medicamentos. Tive uma gripe forte bem no início e semana passada uma infecção de garganta. Tomei mel com limão, espirrei própolis, tomei chá de frutas e melhorei. É bom deixar seu corpo reagir também, eu era meio hipocondríaca, não sabia muito bem o que é isso.
  13. Às vezes temos câimbras. E doem pra burro.
  14. Não é praxe fazer muitos ultrassons ao longo da gravidez, caso não haja intercorrências, claro. Há vertentes que defendem que nem se deve fazê-los, mas não é o meu caso. Comumente fazemos o primeiro para confirmar a gravidez (nem todos fazem), o segundo entre 11 e 13 semanas, chamado translucência nucal, para verificar a presença de alguma síndrome (a de down, principalmente). O terceiro é o morfológico, em torno de 20 a 23 semanas, para verificarmos a formação do bebê, se todos os órgãos formaram corretamente, se o crescimento do bebê está dentro das expectativas. E há mais um, entre 34 e 37 semanas, mas não sei muitos detalhes dessa solicitação ainda (sei questões concernentes ao parto, tais como concentração de líquido amniótico e se o bebê está na posição certa ou pélvico - sentado). Sei que não há nada mais gostoso do que ver o bebê lá dentro, suas mãozinhas, seus pezinhos, sonhar com seu rostinho e ouvir seu coração bater.
  15. Descobrimos o sexo em um ultrassom extra que eu pedi pro meu obstetra nas 16 semanas. Eu sempre quis ter um menino. No entanto, meu marido sonhava com uma menina e por muito tempo pensamos que teríamos uma e seu nome seria Estela. Me desviei um pouco de minhas certezas, sempre sabendo, eu e meu marido, que qualquer sexo nos deixaria imensamente felizes. No dia 03/02/15 nós descobrimos que lá estava o Antônio. Confesso que na hora bateu um medo enorme de ser mãe de um menino, mas passou. Há o medo de errar, há medos vários, mas meu rapazinho é hoje a melhor coisa que poderia nos acontecer.
  16. A minha barriga começou a aparecer lá para as 17, 18 semanas. Agora está ficando pontuda, as pessoas já percebem que eu estou grávida. É engraçado pensar que por quase metade da gestação sua gravidez é algo que pode passar despercebido no mundo.
  17. Antônio já mexe, mas só eu sinto. Não me lembro direito da primeira vez, porque é muito sutil. Parecia uma piabinha passeando pela barriga, mas agora já o sinto com um pouco mais de vigor. Meu marido sentiu este final de semana. De leve, mas sentiu.

Ainda faltam cerca de 18 a 20 semanas para o Antônio chegar e eu sei que a lista poderá aumentar. Sinto alguns medos, talvez o maior dele relacionado ao parto. Não a dor, eu sei que ela existe e (acho) estou preparada para ela. Meu medo é precisar de cesárea, mas me alivia saber que tenho ao meu lado uma equipe incrível que só irá me indicar esse caminho se for realmente necessário. Mas isso é assunto para o próximo post.

terça-feira, 17 de março de 2015

Relato de um parto vindouro

Lembro perfeitamente do primeiro dia em que eu me senti grávida. Estávamos tentando engravidar há quase seis meses e eu já havia passado por diversas etapas. A primeira é aquela em que conversamos, eu e meu parceiro, sobre o desejo de ter filhos e tomamos a decisão. Era maio de 2014 e eu deveria tomar a próxima aplicação daquela maldita injeção anticoncepcional em junho. Próximo ao dia da injeção eu fui tomada por um zilhão de sentimentos: medo, ansiedade, incertezas e certezas absolutas.

Entrei em contato com a ginecologista que minha mãe havia indicado e avisei a ela que nossas tentativas seriam segredo de Estado. De ansiosos bastávamos nós dois. Com muito carinho ela me explicou todo o processo, que a princípio pode parecer bastante simples, mas na realidade envolvia uma prática à qual eu não estava nada acostumada: paciência.

Fiz ultrassom para ver se estava tudo bem, um monte de exames de sangue, exame de urina, comecei a tomar ácido fólico, verificar quais vacinas precisaria tomar e tomei a primeira dose da vacina para hepatite b. Lembro que saí feliz do posto de saúde, com a sensação de que havia começado, eu já estava um pouco grávida após aquela picada da agulha.

Não sei se isso acontece com todas as mulheres, mas assim que decidimos tentar, eu já me sentia grávida e o mundo deixou de ser um lugar padrão para se transformar no incrível mundo das barrigudas e portadoras de bebês diversos. À medida que o tempo passava, foi se tornando rotina trombar com grávidas na rua e, por vezes, ressentir não estar no mesmo barco.

Hoje sei que fui muito afortunada e não tenho nada a reclamar. Pelo que observo ao redor (nos 450 mil blogs e sites que li e através de amigas e conhecidas), engravidar é algo deveras difícil. Sim, há aquelas mulheres que mal podem ver uma cueca no varal e engravidam, mas a bem da verdade é que assim como cada gravidez é de um jeito, cada organismo é de um jeito. Há mulheres que levam um mês e há aquelas que não são diagnosticadas com nada que as impeça e tentam por dois anos.

Há ainda um componente sádico (mais um) nessa história: os sintomas de gravidez são muito similares aos sintomas da menstruação. Em nome de todas as mulheres, agradeço penhorada a quem inventou tamanha sandice.

Cólica, irritação, seios doloridos, nidação, essa chateação toda... foram passando os meses e eu fiz um monte de testes, às vezes totalmente fora do período certo, às vezes com a certeza de algo diferente em meu corpo e a diaba da segunda listra não aparecia nem por reza brava. Como meu radar estava ligado, comecei a achar que todos os seres humanos ao meu redor eram férteis, menos eu, porque as grávidas passaram a pipocar em todos os lugares. Comecei a odiar o laboratório que fabrica o diabo do anticoncepcional que eu tomava. Comecei a culpar o vento. E vivi meses de sentimentos difusos, por vezes raiva, por vezes serenidade, sempre uma mistura improvável de sensações que não combinam.

Foi chegando o fim do ano e eu me envolvi em dois trabalhos bastante volumosos de produção. Ambos tomavam meu tempo quase integralmente e um deles desafiou minha dignidade e bem estar mental. Mergulhada no estresse, eu e meu marido ainda mudamos de apartamento. Ele, atolado em seus mil afazeres profissionais, tinha uma viagem de trabalho no exato final de semana de nossa mudança e eu a fiz sozinha (em parte, porque minha mãe, meus sogros e a moça que nos ajuda aqui em casa salvaram a pátria).

Quando o caminhão de mudança chegou na casa nova, eu entrei no quarto que seria do bebê que não chegava jamais e pensei: deixo vazio? No calor da hora entulhei o quarto de caixas e mais caixas e de noite desci na esquina, comprei uma bandeja de comida japonesa e comi quietinha aguardando os dias que viriam – caixas, armários, bombeiro, eletricista, pintor, burocracias com a imobiliária antiga (que certamente tem pacto com o diabo), aulas pra dar e os dois trabalhos de produção que mencionei.

Foi um mês complicado. Eu estava uma pilha de nervos, meu marido estava exausto e a certeza de que aquele seria um mês falido em termos de alcançar o objetivo maior tomou conta de mim. Fui me desligando – parcialmente, claro – da ideia de engravidar naquele mês de outubro. Dia 12 de outubro, dia das crianças, a menstruação chegou. Coloca no aplicativo e calcula, pela milésima vez, o tal do dia fértil. Meu ciclo estava descontrolado e eu tinha que chutar um espaço maior de tempo, porque não dava para saber ao certo. A minha vida tinha se reduzido a dois intervalos de 15 dias: menstrua, 15 dias pro período fértil. Período fértil, 15 dias pra saber se deu certo.

No mês anterior havíamos comprado um teste de ovulação e eu tinha experimentado a segunda listra, que me dizia que meu organismo funcionava. Mas nada de engravidar.

Os dois eventos que eu produzi iriam acontecer no mês de novembro. Um deles, logo no início, o segundo, na segunda quinzena. Não havia tempo pra mais nada.

Um dia de manhã, enquanto estava no banho, cismei de depilar e esqueci de empurrar o tapete pro canto. Quando levantei a perna, escorreguei no tapete e quiquei feito bola de basquete de um lado pro outro no box de vidro. Só não machuquei, porque eu sou um tanto quanto grande e não havia espaço para cair, mas bati joelhos e cotovelo no vidro e tomei um baita susto. Sem muito tempo de processar racionalmente o meu deslize com o tapete, em algum lugar dentro de mim, eu tive certeza que estava grávida. Gritei meu marido e chorei igual criança, com medo de machucar aquele ser que eu nem sabia se estava ou não dentro de mim.

Não sei se dá pra explicar direito, mas eu nunca mais me esqueci daquele sentimento imediato pós-quase tombo. Foi tão forte a certeza de que eu estava grávida, que ultrapassou qualquer racionalidade e a ‘ranzinzice’ daquele mês de outubro.

Uma vez recuperada, retomei as atividades. Estávamos em novembro e um dos eventos começou. Eu virei umas quatro pessoas naquela semana. Acordava às 5 da manhã pra resolver pendências de produção do evento da segunda quinzena, dava aula e de tarde me dividia entre um evento e o outro (por sorte, ambos aconteceriam no mesmo complexo artístico). Tudo correu muito bem e o evento foi um sucesso. Tínhamos uma festa marcada para o dia 8 de novembro, encerramento da semana caótica.

Naquela manhã eu acordei diferente. Na correria, não tinha me dado conta de que a menstruação poderia ter vindo naquela semana. Poderia, porque como meu ciclo não estava tão estável, eu não tinha como saber se menstruaria ou se estava um ou dois dias atrasada. Não tive cólica, não tive nidação, corrimento, nada. Só aquele sentimento do tombo do box e minha barriga meio estranha. Podia ser cólica, mas não era bem isso. Quando eu encolhia a barriga, sentia um levíssimo incômodo, quase imperceptível. E os seios levemente doloridos (como em todos os meses anteriores, já falei que a coisa passa pelo sadismo).

Na manhã do dia 8 de novembro me dei conta dessas coisas todas. Meu ciclo nos dois meses anteriores havia sido de 26 dias, um milagre desde então, porque já oscilara de 38 pra 24 ao longo dos meses. Calculei e, bem, até que eu podia estar atrasada há uns dois dias. Não havia tempo pra comprar o teste e eu não queria comprar o teste, porque já estava de saco cheio da listra solitária e cruel.

Passei um sábado insano, aquele 8 de novembro. Desde cedo organizando o último dia do evento, correndo pra lá e pra cá, e vez ou outra batia aquela sensação estranha na barriga. Eu tentava afastar o pensamento, porque, afinal, o mês tinha sido dificílimo e no fundo eu tinha certeza que não estava grávida. Mas e o quase tombo no box?

A festa começou à noite, todo mundo alegre, a deliciosa sensação de missão cumprida. Comprei uma latinha de cerveja e no primeiro gole veio de novo aquele sentimento e uma leve culpa. As falsas esperanças haviam doído tanto nos meses anteriores, será que eu ia passar por isso de novo? Eu, já sabida das possibilidades reduzidas? Tomei a tal da cerveja e pensei: amanhã compro o diabo do teste.

Fui pra casa cedo e meu marido, mais uma vez, estava viajando. Demos o azar dele estar fora de novo. Ele chegaria no domingo à noite e eu pretendia ficar o dia de pijama me preparando para a loucura da próxima semana, com as últimas pendências do evento seguinte.

Acordei, tomei café e não me lembro depois de quanto tempo, resolvi ir à farmácia. Meio desacreditada, tendo apenas aquele sentimento nada racional do quase tombo no box pra me alentar, comprei o teste de gravidez. Voltei pra casa, enrolei, abri a caixa, li as instruções que eu já sabia de cor e resolvi fazer o exame. Coloquei a tirinha do exame no copinho com a urina e quando o nível do líquido foi subindo, lembro de ter tido a sensação de ver uma segunda listrinha, bem de leve, querendo se formar. Apavorada como quando ficamos ao fazer algo errado, saí correndo do banheiro e fui pra sala. Sentei no sofá, respirei e meditei evocando meu lado – raríssimo – racional e mandei uma mensagem pra uma colega de trabalho sobre o sucesso do evento. Paralelo a isso, liguei o cronômetro do celular e marquei os 5 minutos que o exame sugere esperarmos.

Conversei assuntos de trabalho no whatsapp, fingi que nada estava acontecendo, e os 5 minutos passaram. Levantei do sofá, vacilei, tomei água (agora estou floreando, claro que eu não lembro meus passos exatos) ... entrei pé ante pé no banheiro e cheguei a cabeça na porta feito criança, com medo de me deparar com uma listra só. Quando eu olhei para a tira, a segunda listra estava lá: forte, grossa, escura, gritando na minha cara – “você conseguiu!”.

Lembro perfeitamente do que se seguiu aí. Eu olhei pro espelho, meus olhos encheram de lágrimas e por alguns segundos eu fiquei completamente sem reação. Aí eu gritei. Gritei a plenos pulmões, pulei e, logo em seguida, pensei que talvez não devesse pular, vai que faz mal pro bebê. Bebê? Gritei de novo, olhei de novo no espelho e me achei a mulher mais linda do mundo. Aí eu lembrei do meu pai, que se foi há três anos e falei alto com ele: “pai, você vai ser avô”.

Pensei em ir pra rodoviária, pegar um ônibus e ir pra Ouro Preto atrás do meu marido, descabelada e com o exame nas mãos. Daí eu recobrei a consciência... imagina eu chegando lá com os olhos arregalados e o pobrezinho dando uma aula sobre o Stanley Kubrick e eu sem poder gritar no meio dos alunos, “nós conseguimos!”. Desisti de ir pra rodoviária.

Andei pela sala, gritei, chorei, sentei no sofá e aí não lembro mais dos devaneios que se seguiram. Peguei a tirinha do exame, sequei, enrolei num durex e deitei no sofá, abraçada com ela. Lá eu fiquei um bom tempo. Admito que beijei a tirinha. Não lembro se cochilei abraçada com ela ou se fiquei de olhos arregalados abraçada com ela, ou se as duas coisas. Sei que passei o domingo abraçada com aquela segunda listra.

Em determinado momento, resolvi ir pra rua. Eu tinha que esperar meu marido, não podia gritar pro mundo e começaram algumas aflições: e se der errado? É melhor esperar as primeiras doze semanas pra contar para os nossos pais? Tenho que marcar obstetra. Eu tenho que marcar obstetra!!! Daí lembrei que nas duas semanas seguintes eu tinha que trabalhar em tempo integral no tal evento que tentou roubar a minha dignidade. Que horas eu marcaria o exame? Com qual obstetra? Marco um ultrassom ou espero a consulta? E se tiver sido um falso positivo? Meu Deus, tenho que fazer um beta HCG! Hoje é domingo, e agora?

Sim, a minha cabeça é uma loucura mesmo sem os hormônios de gravidez, que conste nos autos.

Fui para um shopping aqui perto de casa e comprei outro teste de gravidez, melhor de dois, né. Entrei numa loja de roupinhas de bebê e comprei dois bodies e um macacão lindos. Os bodies hoje me fazem rir, são RN, mas para um recém-nascido que o Antônio provavelmente nunca será, de tão pequeninos. Aquela vendedora foi a primeira pessoa a saber, hoje volto lá e sempre olho pra ela com ternura.

Saí da loja e entrei numa livraria pra procurar algo pra dar de presente pro meu marido. Achei um livro chamado “Nós estamos grávidos”. Comprei um cartão, uma caixa e voltei pra casa. Abri o exame de gravidez, passei o olho nas instruções, fiz de novo. Desta vez resolvi encarar a tirinha. Mergulhei na urina e, antes do primeiro minuto, a segunda listra começou a aparecer. Fui tomada novamente por um sentimento indescritível e resolvi aproveitar o sentimento: sim, eu estava grávida.

Coloquei o livro na caixinha, escrevi no cartão, dobrei um dos dois mini-bodies e colei os testes de gravidez no envelope. Depois tirei um deles e levei de volta pro sofá, pra ficar o resto do dia abraçada com ele, mais tarde eu arrumaria direitinho pra esperar o papai chegar em casa.

Como o destino auxilia a minha prolixidade e meus devaneios de escritora wanna-be, meu marido deveria sair de lá por volta de 19:00 e chegar aqui até umas 21:00. Uma árvore caiu na estrada e, claro, o ônibus dele ficou preso em um engarrafamento gigante. Para apimentar, a bateria do celular dele começou a acabar. Ele me contou que uma amiga minha estava no ônibus e eu comecei a importuná-la com mensagens pra saber se o ônibus estava avançando. Aí a bateria dela começou a acabar.

Eu já estava subindo pelas paredes. Eu e o teste, ainda abraçado comigo. Resolvi arrumar o presente, fiz um laço na caixa e liguei a TV, desliguei a TV, bebi uns 10 litros d´água, fiquei na janela, voltei pra sala, fui pro quarto, chorei de novo, rezei, cantei, fiquei P da vida, quase quebrei o relógio na parede. Era quase meia-noite e nada dele chegar. De repente, ele me ligou dizendo que havia acabado de sair da rodoviária, estava no taxi. Grudei na janela feito aquelas bonecas namoradeiras, mas sem sua delicadeza, claro, parecia uma louca histérica tentando manter o controle pra ele não achar que tinha algo errado lá da calçada quando chegasse.

Juro que passaram uns 15 taxis na rua naquela noite. Domingo de madrugada. Quem mora em BH sabe que taxis não passam na rua esse horário como acontece na Nova Iorque do cinema americano. Para um taxi na porta. Desce o diabo de uma vizinha que eu não conheço, quase peguei um ovo na cozinha e joguei nela, juro.

Enfim chega o papai. Ele desceu com semblante de cansado, acenou pra mim lá de baixo e eu, tomada pela alegria infinita de ver ali, pela primeira vez, o pai do meu filho chegar, tentei baixar a atriz que não vive em mim e forçar uma naturalidade impossível. Fui recebê-lo na porta, algo que faço normalmente quando passamos mais de 12 horas distantes, ele não iria desconfiar.

Claro, como afirmei, não há uma atriz em mim, ele de cara percebeu que eu não estava no mais normal de meus momentos. Esperei ele trocar de roupa, perguntei como foi a viagem e ele estava levemente ranzinza de ter ficado de molho tantas horas na estrada. Ele deitou na cama, olhou pra mim e perguntou “o que foi?”. Como ele não havia ricocheteado no box do banheiro, provavelmente não esperava que contrariando todas as expectativas daquele mês de outubro, o dia das crianças seria a minha despedida do mundo menstrual pelos próximos 9 meses (quando a gente quer poesia, ela invariavelmente nos permeia).

Falei que eu tinha uma surpresa e peguei a caixa. Ele abriu e eu tinha escolhido cuidadosamente a ordem dos fatores lá dentro. Primeiro, lustrando o envelope com o cartão, estavam os dois testes colados. Ele levantou aquilo sem entender direito e viu o livro. Pegou o livro a contragosto (depois ele me contou que por uns segundos pensou “por que diabos ela está me dando um livro agora, estou exausto da viagem”) e, não sei onde estava com a cabeça pra demorar tanto a sacar (devem ter sido 5 segundos, mas pareceu uma eternidade), ele viu o título. Olhou pra mim e eu disse “nós conseguimos”.

Ele soltou a caixa e recostou na cama e ali eu presenciei saírem mil toneladas de tanta, mas tanta coisa. O cansaço imediato daquele final de semana, o trabalho exaustivo dos últimos anos, as cobranças, a seriedade, os súbitos de mal humor, o desencanto que o acompanha diante da vida. Feito espírito que sai do corpo das pessoas em filmes, meu marido perdeu o peso de uma vida que às vezes anda tão na contramão de nossa felicidade. Foi bonito de ver.

Eu sou chorona, gritei. Ele não, ele é profundo, elegante. Não derramou lágrimas, mas verteu uma felicidade lindíssima em seus olhos. E me abraçou. E nos abraçamos. E um segundo depois ele soltou “não vamos demorar a ter o segundo”. E ali começou a nossa jornada rumo ao delicioso encontro com o nosso Antônio, meu toquinho, nosso amor.


* Este post se chama “Relato de um parto vindouro”, porque assim como eu acredito que uma vez que decidimos engravidar ficamos automaticamente grávidas, quando engravidamos já estamos vivenciando o nosso parto e todo o processo merece entrar em nosso relato. Que virá, se Deus quiser.

quarta-feira, 11 de março de 2015

5 meses ou 21 semanas e 3 dias

De acordo com cálculos que, sabemos, não são 100% precisos, hoje eu estou com exatamente 21 semanas e 3 dias de gravidez. Ou, para facilitar, 5 meses (e quase meio). A minha primeira gravidez, o meu primeiro filho. Um rapazinho serelepe que tem dado saltinhos em minha barriga e por enquanto só eu e ele vivenciamos isso juntos, ninguém mais consegue sentir.

Algumas coisas têm ficado mais claras e outras não passam de neblina para mim, de um horizonte que eu ainda não alcanço. Acho que eu sonho com essa gravidez desde uma época em que ainda não havia achado a pessoa ideal e não tinha a menor maturidade para assumir essa decisão. Ser mãe é a única coisa da minha vida que eu tenho absoluta certeza que quero ser.

Entra ano, sai ano e eu vivo em crises profissionais, sem saber ao certo se encontrei o meu caminho ou se na realidade a gente passeia por uma série de lugares na vida e o pouso não se encontrará aí jamais. Profissão é uma parte apenas, é aquela nossa parcela existencial em que reagimos mais ao que o mundo espera de nós do que ao que efetivamente somos – algo que eu ando achando deveras impossível descobrir também.

Fato é que sucesso, dinheiro e reconhecimento me parecem três elementos tão fugidios e efêmeros. Apesar de oferecerem satisfatórios momentos de um prazer que, quando sentimos, em muito parece com o efeito etílico daquela primeira taça de vinho que amacia, mas não necessariamente embriaga, é extremamente passageiro.  

Nem todas as mulheres sonham em ser mães e eu aprecio muito aquelas que decidem não passar por isso se não se sentem totalmente afeitas a mergulharem nesse turbilhão. Eu vislumbrava o que é ser mãe e ainda não posso dizer que faço uma ideia do que isso signifique de fato, mas certamente é a decisão mais importante da vida de um casal. Ser responsável por uma vida que, ao menos até atingir a maioridade, se espelha em você, te ouve (no início, ao menos), repete seus erros e acertos, recebe um primeiro filtro para a vida que é inteiramente reflexo de quem você e seu parceiro (a) são.

Tenho começado a entender o peso dessa responsabilidade.

Eu tinha uma ideia do que é gravidez, mas uma ideia um tanto quanto idílica, talvez refém de um olhar para o outro que não compreende a dimensão do que ele passa... aquela ideia de grávidas radiantes, algo entre comerciais de hidratante para a pele e o que via no cinema, claro. Depois que eu engravidei, passei a respeitar muito mais esse universo tão desconhecido.

Primeiro que é bastante assustador pensar que somos capazes de gerar um ser humano dentro de nós. Que esse ser come o que comemos, ouve o que falamos, escuta e experimenta o mundo através dos passos que escolhemos dar, ouve todos os sons do nosso organismo e não faz a menor ideia de uma porção de coisas.

Que quando ele nascer, ele vai beber de um leite que sai de dentro de nós (oxalá!), querer o nosso cheiro, se acalmar com a nossa voz, se irritar ao não saber se comunicar a ponto de sabermos exatamente o que se passa e, claro, assombrar o mundo quando somente nós conseguirmos entender o que cada entonação daquele choro significa.

Segundo que a gravidez, para realmente parecer o que imaginamos ser, demora horrores. Como eu não tive muito enjoo no primeiro trimestre, a minha barriga demorou a crescer e levei cerca de cinco meses para senti-lo mexer, no início o que eu tinha para atestar o fato de estar grávida eram as consultas com o meu obstetra e os tão esperados ultrassons. Cada semana levava uma eternidade para passar, e isso tudo junto com um medo enorme de algo dar errado, do meu bebê ter algum problema, de eu não estar me alimentando corretamente, etc, etc, etc.

Gravidez e medo andam de mãos dadas de uma maneira que eu não imaginava. No meu caso não é um medo que paralisa, mas que fica à espreita de qualquer fraqueza para atacar. E aí começam os medos e inseguranças em relação aos pais que iremos ser. O meu marido jamais demonstra qualquer insegurança, então eu me vi (e me vejo) muito sozinha nesse processo. Viajo entre dúvidas estapafúrdias tais como “meu filho vai me achar engraçada?” a questões mais profundas, como “será que ele irá se orgulhar de mim?”.

Fato é que a gente não tem muito sossego. Sei que muitas mães vão dizer “e é só o começo”, mas eu realmente senti nesses primeiros meses uma sensação de desconhecimento tão profunda, que me assustei diversas vezes. E ainda tem um ponto bastante sarcástico em tudo isso: cada gravidez é de um jeito. Não existe uma regra universal na qual possamos nos apoiar, então é cada um por si e vamos tentando achar afinidades pelo mundo.

Talvez esteja aí uma das razões pelas quais nos tornamos tão monotemáticas. As pessoas ao nosso redor, em sua maioria, não fazem muita ideia do que estamos passando, mesmo que tentem fazer o melhor possível para nos deixar bem. Então, quando topamos com aquela outra barriga avantajada, a amizade é quase imediata. De fraldas de pano a parto natural na água, assunto nunca vai faltar.

É interessante pensar que, de repente, de um dia para o outro, sua vida muda por completo. É o maior clichê possível, eu sei, mas é também fato incontestável e impossível de ignorar em nossas reflexões. De uma hora pra outra você não pode beber bebida alcoólica (há exceções, eu sei), fumar (tenho sorte em nunca ter fumado), comer uma série de coisas, você não aguenta muito tempo em pé, perde o fôlego se subir dois degraus de escada, rola na cama de forma patética em busca da melhor posição, sente todo qualquer cheiro a quilômetros de distância, esquece a chave na porta do apartamento, chora com toda e qualquer coisa, sente ira em relação a toda e qualquer coisa, fica frágil, vira bicho, fica forte, tem vontade de dormir a maior parte do tempo, do nada sente uma energia que não sabe de onde veio, não tem o menor saco de ouvir a opinião alheia, fica doida por conselhos de pessoas queridas, quer ficar sozinha, se sente extremamente sozinha.

Isso tudo em frações de segundo.

Realmente, é demais esperar que o mundo esteja totalmente preparado para enfrentar essas barrigas-kamikaze.

Para além  das milhares de questões que envolvem essa espera (que eu não estou achando mais tão longa assim, o tempo tem voado), tais como arrumar o quartinho, fazer listas e mais listas, escolher a melhor cadeira para o carro, se desesperar com a falta de dinheiro, pesquisar carrinho, bebê conforto, colchão, banheira, babá eletrônica, pensar em como será o parto (e pior, pensar sabendo que pode ser totalmente diferente do que você sonhou e planejou e ter que engolir isso com galhardia), quanto tempo vai durar, que carinha seu filho vai ter, se ele vai nascer saudável, se você vai conseguir o parto natural que deseja, se terá laceração, se vai suportar a dor sem pedir penico, se vai conseguir amamentar, se os livros que leu sobre o sono do bebê irão ajudar, se vai engordar dentro da faixa saudável, se vai virar uma pelanca humana após o parto, etc, etc, etc... para além das milhares de questões que envolvem essa espera, há algo de uma beleza e intensidade jamais transferíveis ou explicáveis em sua real dimensão: a sua relação com o bebê.

Como eu falei no início, estou vivendo o momento mais eu e ele de todos. Só eu sinto meu bebê mexer e vivencio momentos de interação com ele muito cúmplices desse corpo a corpo que temos experimentado juntos. Aquela primeira mexidinha do dia, aquele chutinho meio fora de hora, a agitação quando o papai chega em casa e vem conversar conosco. Se nessa hora a presença de Deus, de algo muito maior que nós todos, não fizer sentido, nada mais fará. É absolutamente sublime quando estou concentrada no trabalho e de repente sinto a sua presença. Como se de alguma maneira ele me dissesse “ei, me dá atenção”. Outro dia após a aula um aluno veio me pedir uma ajuda e no meio de sua explicação o meu bebê me chutou. Eu tentei manter a compostura, mas é como se uma música começasse a tocar, batesse um vento sutil em meu rosto, o sol brilhasse de um jeito doce sem queimar e tudo mudasse de cor. Faz qualquer coisa valer à pena. Olhar para trás deixa de ser tão doído e a melancolia que acompanha a minha tantas vezes insuportável personalidade sensível, simplesmente se esvai.

Como se de algum lugar um anjo me dissesse que tudo vai dar certo.

Eu sei que daqui a alguns anos o Antônio não vai me dar muita bola mais. Vai começar dizendo que não é mais um bebê, vai ter assuntos com o pai que eu não irei conseguir acompanhar, vai querer somente a companhia dos amigos, vai se sentir constrangido quando chegarmos para buscá-lo, vai passar por fases completamente monossilábicas e enfrentar uma série de primeiras vezes: a primeira frustação, a primeira derrota, a primeira briga, o primeiro amigo, o primeiro amor, a primeira bebedeira (tomara que demore mil anos!), a primeira vez. Vai chegar a hora em que eu terei de aceitar que ele quem vai decidir o momento de buscar o meu colo e eu não vou mais contar com aquele olhar cúmplice a todo momento.

Eu vou ter que entender que tudo isso faz parte do nosso viver. Há o tempo de ser filho e há o tempo de pertencer ao mundo de forma intensa. Claro que uma coisa não se desvincula da outra, mas entre a infância, essa delícia de fase em que tudo é novidade e a única certeza é o amor de nossos pais (e família, claro), e a idade adulta, há um gap de bons anos em que tudo é extremo, tudo é verdade, nada mais faz sentido e no meio da confusão, o caos acaba passando.

Eu espero, do fundo da minha alma, ser a mãe que eu sonho ser. Com erros e acertos, firme e incongruente, mas que, no meu olhar, independente do que seja, o maior amor da minha vida encontre repouso.