Você
se prepara.
Matricula
na hidroginástica, na yoga, faz acupuntura, fisioterapia, melhora a
alimentação, participa de grupos, lê relatos de parto, se abre, se blinda.
Você
espera.
Filma
a barriga todos os dias, conversa com o bebê o tempo todo, conta os dias para o
próximo ultrassom, fantasia como será o rostinho dele.
O
tempo passa mais rápido do que você imaginava e ele chega. Lindo, saudável,
bochechudo e trazendo consigo o maior amor que você já ousou sentir na vida.
Os
primeiros dias passam e você acompanha a madrugada, falhando em cada tentativa
de dormir.
Seus
olhos teimam em fechar e você desconhece o tal instinto materno, não faz ideia
da razão de seu choro.
Dar
ou não chupeta, mamadeira? Insistir na dolorosa amamentação?
Os
dias passam, os meses passam e você não consegue finalizar uma frase quando ele
dorme, porque suas sonecas diárias, quando longe de seu colo, costumam durar
dez minutos, e de noite, quando ele enfim aceita o berço, tudo o que você
consegue fazer é tomar banho e dormir também. Porque daqui a 40 minutos ele vai
chorar de novo e querer mamar e não sair do seu colo.
A
máxima proferida pelas mães de bebês mais velhos a mães recentes é “vai passar”.
Quando
você ouve isso, tudo parece tão distante... sua memória, sua capacidade de
dormir, cozinhar, tomar um banho mais demorado, responder um e-mail, fazer as
unhas. Por vezes você se pega questionando “o que eu fiz da minha vida? ”, para
logo em seguida ser consumida pela culpa.
Você
acha tudo surreal, as vozes parecem assombrosas, a luz, a TV incomoda, o
silêncio se torna seu bem mais precioso e tudo o que você quer é que ninguém
tire seu filho do seu colo. Você quer ficar colada nele, ainda que aquela
coisinha indefesa por vezes te pareça terrivelmente assustadora.
O
mundo continua em seu ritmo normal e tudo o que você quer é gritar ‘para tudo
que eu pari!”. Ninguém escuta, todo dia tem visita, luzes acesas, pessoas
vigiando sua luta pra amamentar.
Você
tenta descobrir um jeito de enfiar seu filho de volta na sua barriga.
No
desespero você olha seu bebê e pede pra ele trocar aquele olhar confidente, ‘ei,
estamos no mesmo barco’. Mas ele não fixa o olhar e às vezes vira os olhos de
forma preocupante e você se desespera, o que tem de errado com meu bebê? Aí você
descobre que o desespero se tornou seu confidente e é assim mesmo, seu sistema
nervoso ainda está amadurecendo.
Seu
filho não é mais só seu, senti-lo passa a ser possível a todos e todos querem
fazê-lo ao mesmo tempo. ‘Me devolve’, você quer gritar, mas não grita. Você sofre
calada, ninguém seria capaz de entender. As pessoas chegam em sua casa e não
olham pra você. Elas lavam as mãos e tomam seu filho. Ninguém te pergunta se
você está bem.
Você
sempre sonhou em amamentar, mas seu peito arde, dói, fere. Quando seu filho
mama você sofre, como isso pode estar certo? Você se lembra dos cursos, da pega
correta, da foto da Cássia Kis amamentando um garoto de três anos que estava
pendurada lá na Casa de Parto onde seu filho nasceu.
Você
procura ajuda. Vai no principal banco de leite da cidade e percebe que a pega
estava errada, a posição errada e não é recomendado passar nada. Você não
consegue fazer seu almoço, mas também não consegue almoçar, porque seu filho
insiste em fazer cocô, soluçar, clamar por você sempre na primeira garfada. Quando
você finalmente consegue, você come correndo pra pegá-lo de volta, porque ficar
longe dele dói.
Um
belo dia, de tão exausta, você resolve amamentar deitada no meio da madrugada
porque você não consegue ficar sentada sem cochilar. No dia seguinte seu peito
arde em brasas. Aparece um ponto branco e você percebe que entupiu um ducto. O pavor
toma conta. Você vai à mastologista e ela te passa uns medicamentos com a
indicação de ficar três dias sem amamentar no peito machucado. Você não
consegue tirar muito leite com a bomba e o que consegue seu filho cospe do
copinho. Você não quer dar mamadeira, Deus que livre dele largar o peito.
Não
tem como amamentar em paz, sempre tem alguém em cima de você ou comentando
sobre seu peito, seu leite, seu jeito de amamentar, ou falando sobre outros
assuntos. Você cogita fugir com seu bebê pra uma caverna. Se pergunta como
alguma coisa vai passar, nada vai passar, vai ser assim pra sempre.
Em
prantos você procura uma solução para o seu peito e acha um artigo com um passo
a passo para desentupir o ducto. Você toma um banho quente e enquanto isso seu
bebê chora muito no colo do pai, que te olha tenso. Você fica tensa, você
precisa tirar o leite, mas ele não vai tomar depois. Você esteriliza uma agulha
e fura o ponto branco. Você sacode o peito, põe na bomba e um tempo depois põe
seu filho pra mamar. Dói. Dói um absurdo. Você chora muito e se culpa. Você lembra
daquela droga de livro que diz que seu filho e você estão fundidos e acha que
causará um trauma nele por estar amamentando tão arrasada.
Os
dias começam a passar. Seus peitos melhoram. Estão chegando os primeiros 45
dias e você propõe ao seu marido uma volta na rua, sob pena de você enlouquecer
se não o fizer. Você arruma o bebê e vocês dão uma única volta no quarteirão. Algumas
pessoas olham com ternura, as pessoas te veem, você ainda existe. De repente
tudo não parece tão terrível, vocês conseguiram dar a volta no quarteirão.
Um
dia você está com seu bebê no colo na sala e seu marido acorda e vem dar bom
dia.
Antônio
sorri.
Você
não acredita. Seus olhos se enchem de lágrimas, Antônio despertou para o mundo.
Como
um passe de mágica você consegue amamentar, interagir com seu filho, sair na
rua. Receber visitas passa a ser agradável. Você reconhece aquele choro: é
fome, é sono, é dengo. Aos poucos você vai se ajeitando até o dia em que você
finalmente consegue cortar os cabelos e fazer as unhas.
De
repente tudo ficou pra trás e lá está você sonhando em engravidar de novo.
Há
quatro meses e cinco dias Antônio nasceu e mudou tudo.
Há
quatro meses você se sentiu a mulher mais feliz do mundo. Bonita, fêmea,
pulsante.
Uns
dias depois você achou que havia mergulhado num caos eterno.
Até
que passou. Meu puerpério passou e eu sobrevivi.
Até
esqueci algumas coisas e hoje sou eu a proferir o mantra “vai passar”.
Hoje
há novos desafios, ele ainda não dorme mais de duas horas e meia seguidas, mas
o sorriso que você recebe todas as manhãs compensa cada segundo da sua vida
inteira.