sábado, 30 de maio de 2015

Eu, Toquinho, o Galo e os Beatles

Spoiler alert: peço desculpas (ou não, hehehe) aos cruzeirenses, mas preciso narrar um momento lindo com meu filhote preto e branco.

Estou enfurnada em casa lutando, entre as fortes dores na coluna e a necessidade de finalizar a primeira versão da minha tese para a banca de qualificação do meu doutorado. Gestantes e mães vão entender o conflito: agora, já no oitavo mês, ficar muito tempo na mesma posição se tornou algo da ordem do impossível. Pelo ao menos no meu caso, entre 14:30 e 15:00 (com essa precisão, juro) eu sou acometida pelo maior sono que um ser humano pode sentir, logo, escrever tem sido um martírio.

Pra complicar, meu objeto de estudo é nada mais, nada menos, que o cineasta Michael Haneke, um alemão mais austríaco que tudo, com um cinema gélido cuja essência é a falta de comunicação entre as pessoas, mergulhadas em famílias cindidas e basicamente sem lugar para o afeto. Resumo fraco, mas só para constar, é bem mais complexo que isso. A questão é que eu estou vivendo o momento mais pleno da minha vida, de construção de uma família e à espera da chegada do meu maior amor. Já seria difícil falar de Haneke em outras circunstâncias, agora então...

Fugi rapidamente para relatar dois momentos deliciosos que vivi com meu Antônio nesta semana de clausura total.

Quarta-feira, dia de jogo da Libertadores. Como o Galo saiu, o campeonato se tornou irrelevante, a não ser pelo fato de o time azul jogar com o River Plate (sempre bom lembrar que seu nome completo é Club Atlético River Plate). Eu estava muito cansada e com dores no corpo e decidi ir dormir, por alguns motivos:

1) Jamais assisto jogo desse time;
2) Como boa atleticana que sou, estava sem esperança deles perderem em um Mineirão lotado, depois de terem ganhado fora, de 1 x 0.

Fui deitar... meu marido estava fora e eu e Antônio resolvemos dormir. De repente, ouvi os primeiros gritos e cornetas. Pensei: droga, pra terem cornetas só pode ser gol “celeste” (termo que eu detesto, vale dizer... aliás, tudo que o compreende, não dá pra curtir a cor azul, praticamente banida da minha vida). Liguei a TV e era gol do River. Pensei: os azuis vão ganhar de 4x1. Desliguei a TV.

Mais tarde, mais gritos. 2x0... com certa alegria, tentei dormir de novo.

De repente, berros... 3x0!!!!

Aí eu perdi o sono, claro. Liguei a televisão quando faltavam 2 minutos + os acréscimos. Pensei: vai ser 4x3 e desliguei de novo, afinal, esse ritual claramente estava dando certo (apesar de se configurar como algo da ordem da insanidade mental, é gostoso vivenciar o futebol como se não fosse um esporte no qual não há muita previsão possível além do preparo físico, mental e técnico da equipe. Resta ao torcedor doente encontrar certos procedimentos pouco convencionais de sobrevivência. Foi gostoso saber mais tarde que meu marido estava executando as mesmas ações no bar “pra não dar azar” – de acordo com ele, estava de costas para a televisão e ficou imóvel na mesma posição até o jogo acabar, só pra garantir a manutenção do ritual e não interferir no destino).

Liguei de novo a TV quando faltavam 30 segundos e resolvi me entregar para a felicidade. Quando o jogo acabou, liguei o hino do River em meu celular e regozijei com as entrevistas do Fábio e outros espécimes indesejáveis.

Antônio enlouqueceu. Rafael chegou em casa e o pequeno dava loops na minha barriga a ponto de doer. Rodava pra um lado, rodava pro outro, chutava e sei lá mais qual movimento Toquinho executava.

Depois de curtirmos a linda derrota, nada do Antônio dormir... tive de levantar da cama e andar no escuro na sala falando baixinho com ele pra acalmar, acariciar a barriga e acalentá-lo, como se ele já estivesse aqui em meu colo. Aos poucos ele foi sossegando e fomos os dois dormir. Eu, com um sorriso no rosto, por guardar dentro de mim o atleticano mais lindo do mundo.

****

Ontem, após mais um dia de fortíssimas dores nas costas, segui na batalha eu-computador-Haneke-gestação. Em determinado momento, comecei a quase babar na frente do aparelho, sem conseguir concatenar uma frase sequer com qualquer sentido. Percebendo a iminência da queda, resolvi tomar um banho.

Apaguei a luz (fica a dica, é uma delícia tomar banho no escuro) e deixei a água morna batendo nas minhas costas. Não relaxei totalmente, claro, pois fiquei anotando no vidro do box o que faltava pra terminar a tese.

Quando voltei ao escritório, ainda faltava alguma prática para me conduzir de volta à concentração da escrita. Decidi ouvir umas músicas, cantar, pra ver se o ditado funcionava e eu espantava os males da trava mental total.

Fiz uma seleção sem muito critério, com algumas músicas do Rufus Wainwright, Stealers Wheel (Stuck in the middle with you) e: Across the Universe, Put it there, You're going to lose that girl, Distractions (tudo a ver com meu momento, diga-se de passagem) e Dear Boy, nesta ordem.

Antônio esboçou movimentos, mas na hora em que os Beatles e depois o Paul começaram a cantar, ele protagonizou um balé na minha barriga. Ia de um lado pro outro como se dançasse e cantasse ao som da minha voz desafinada no meio da música. Como se o pequeno reconhecesse aquele universo que tanto diz respeito ao seu pai, sua dindinha e a mim.

Ele me colocou em uma situação delicada, porque eu precisava encontrar frieza de espírito para escrever sobre uma família disfuncional que comete suicídio (O Sétimo Continente, 1989) e lá estava eu, com os olhos marejados por curtir alguns minutos de verdadeira dança e reconhecimento com o meu filho.

Sim, temos mais um atleticano doente e um beatlemaníaco que já já vai iluminar nossa vida aqui fora.

sexta-feira, 15 de maio de 2015

Sobre gentilezas e ignorâncias

Sempre ouvi que o mundo ama as grávidas e que vivemos cercadas de gentilezas por todos os lugares, mas confesso que agora, quase entrando no oitavo mês de gravidez, percebo que essa não é bem uma máxima não.

Meu marido diz que gente idiota é idiota com qualquer um e realmente, acho que isso encerraria esse post por aqui, é uma grande verdade. No entanto, talvez eu extrapole um pouco o tema da gravidez para refletir como o mundo me parece um lugar por vezes frio e apático, por outras extremamente hostil.

Temos uma tendência a achar que nosso tempo sempre é pior, não é? Quase escrevi no parágrafo acima que acho o mundo hoje um lugar muito hostil, mas talvez ele tenha sido sempre assim.

Eu nomeei este post mencionando tanto a ignorância quanto a gentileza, porque é claro que não tenho me sentido hostilizada pelo mundo como se todos ignorassem meu estado, não é dramático assim. Acho que agora que estou nesse lugar “preferencial”, eu tenho observado atitudes que antes passavam despercebidas, deve ser isso.

Falo de coisas pequenas.

Exemplo: eu faço hidroginástica desde as 15, 16 semanas de gravidez e perto de minha casa há três linhas de ônibus que me deixam praticamente na porta da academia. Eu gosto muito de observar o mundo e as pessoas, então andar de ônibus é algo que me agrada – à exceção daqueles lotados, claro.

No início eu pegava ônibus com muita tranquilidade, já mencionei aqui no blog que eu demorei a parecer de fato grávida. A academia é perto, então em cerca de 15 minutos eu chego lá.

No entanto, de um mês, um mês e meio pra cá tem ficado praticamente impossível pegar ônibus. Meu ponto fica a menos de um quarteirão da minha rua, uma semi-ladeira. Três fatos me desanimaram de pegar ônibus, especialmente a linha 9101 (eu moro em BH), para a qual o requisito para se tornar motorista parece ser o de ter uma mentalidade sociopata e ser kamikaze.

Um dia eu entrei no ônibus e atrás de mim entrou uma senhora de uns 50 anos. Era praxe, eu subia no ônibus e caso não tivesse lugar antes da roleta, eu esperava o ônibus fazer a curva, subir a ladeira, fazer a outra curva e ficar em linha reta para eu passar a roleta em segurança e não correr o risco de machucar. Pois bem, nesse dia eu parei para esperar o ônibus fazer a curva e essa senhora colou nas minhas costas quase encostando em mim. Eu olhei para ela e disse “estou só esperando ele fazer a curva”. Ela continuou colada e soltou, ríspida “você não vai passar não, hein? ”. (Nessa época minha barriga já estava protuberante a ponto de dar para perceber a gravidez). Respondi “senhora, a curva é muito sinuosa, estou apenas aguardando para passar em segurança”. E ela quase me atropelou e disse que estava com a perna quebrada (detalhe que ela estava de calça jeans e sem muletas). Não aguentei e usei a carta da gravidez: “tudo bem senhora, eu estou grávida como pode ver e não estou agindo com rispidez com ninguém aqui dentro. Se faz tanta questão, passe”. Afastei com muita dificuldade no meio da curva e ela passou a roleta, na maior grosseria.

O engraçado é que não havia assentos livres, então ela deu um piti só pra passar a roleta e ficar de pé do outro lado. A trocadora ouviu a discussão, olhou para mim e falou “de jeito nenhum você vai passar essa roleta”. E pediu pra uma pessoa levantar do assento preferencial e eu sentar. Disse que ela não permite grávidas passando a roleta, pois uma freada poderia ferir a barriga e que era pra eu exigir os meus direitos sempre que pegasse um ônibus. Eis a demonstração extrema da gentileza.

A tola que foi grosseira comigo ficou de pé do outro lado e eu sentei.

A questão é que nunca mais vi essa trocadora-anjo e todos os outros trocadores olharam pra mim como se não houvesse uma protuberância em minha barriga, ninguém mais ofereceu ajuda depois desse dia.

O segundo fato aconteceu em uma linha 8101 do Move. O ônibus estava todo ocupado, porém, não havia pessoas de pé. Eu passei a roleta e havia três assentos preferenciais, todos ocupados por pessoas jovens, sem nenhuma deficiência, com menos de 40 anos. Eu olhei para as três (nesse dia a minha barriga já estava enorme e meu caminhar já se assemelhava ao de um pinguim). Uma delas, um jovem aparentemente na casa de uns 25-30 anos, estava com um fone de ouvido, me olhou, desviou o olhar e colou o rosto na janela. Uma mulher se levantou – não, não foi para mim, foi para descer – e antes que eu pudesse chegar no assento, outra mulher igualmente jovem passou literalmente na minha frente e sentou. Desolada, eu fui para o final do ônibus e fiquei de pé até liberar um assento lá atrás.

O terceiro e derradeiro fato aconteceu há menos de duas, três semanas. Dei sinal para o ônibus e mal eu pisei na escada, o motorista olhou para mim (e para a minha barriga enorme), arrancou o ônibus e foi em direção à curva como se estivesse dirigindo um veículo de fórmula um e eu quase caí. Catei um cavaco colossal e cheguei cambaleando numa cadeira vaga um pouco à frente. Esbravejei um bocado, ele e trocador ignoraram solenemente e ali eu desisti de pegar ônibus até o Antônio nascer (e certamente não pretendo me aventurar com ele pequenininho). Confesso que também não tenho fosfato para brigar todas as vezes em que eu entrar dentro do ônibus.

Um dia, conversando com um motorista de táxi, ele comentou das condições absurdas que os motoristas de ônibus são submetidos em BH. Ele me contou que existem cronogramas de horário quase impossíveis de cumprir e que os motoristas não têm tempo sequer de ir ao banheiro ou se alimentar durante o expediente. Com o aumento do trânsito na cidade, eles não conseguem cumprir o tempo previsto para o trajeto do ponto de saída ao ponto final e são severamente repreendidos. Isso certamente está gerando pequenos monstros. E aí, olhando em perspectiva, vejo pessoas pensando em sua própria situação: eu e minha gravidez, a tal mulher e sua perna, os motoristas e o relógio apitando o pouco tempo que eles têm. E acabamos nos virando uns contra os outros.

Outra manifestação de ignorância que eu tenho presenciado é como pedestre. Eu volto a pé da faculdade que eu dou aula... mais barato, bom pro meu corpo e pra me manter ativa, além de ser bem perto; sem o Antônio eu levava 15 minutos, agora pinguim e com a super barriga, eu levo 25.

É só descida e, quase no final, eu tenho de atravessar uma ruela pequena pela qual pode passar somente um carro. Fica na esquina da Alvarenga Peixoto com a Rua São Paulo (finalzinho da Bárbara Heliodora). Nas últimas vezes eu tenho prestado atenção, não há uma vez sequer que os carros parem para eu atravessar. Eu sempre tenho de esperar todos eles para eu poder ir. E não há padrão de raça, sexo, idade ou credo não, de taxistas e mulheres jovens a homens jovens ou idosos, todos, indiscriminadamente, ignoram o aviso de pare no chão, ignoram a minha barriga e seguem adiante.

Essas coisas seriam engraçadas se não fossem um pouco trágicas.

Há seus contrapontos também, claro. Eu e meu marido estávamos no supermercado há um tempo atrás e fomos na fila preferencial, onde estava um casal de idosos com um carrinho bem cheio. Notei que o senhor me olhou umas duas vezes e, desconfiada, pensei se talvez ele não tivesse visto que eu estou grávida. De repente ele se aproxima e diz “senhora, mil desculpas, eu já havia começado a passar as compras quando vocês chegaram, senão eu os deixaria passar na frente, desculpa mesmo”. Engraçado, ele também era preferencial e foi de uma delicadeza extrema conosco.

Enfim, talvez este seja meu post mais inútil, pois estou literalmente chovendo no molhado. As pessoas idiotas mantêm a coerência, não haveria razão para serem diferentes em casos específicos.

Porém, ainda que seja tolo e um pouco clichê esse olhar melancólico para os tempos de agora, eu ando achando este um mundo um tanto quanto hostil. 

domingo, 10 de maio de 2015

Meu primeiro dia das mães

Gerar o Antônio é um presente divino que se renova a cada dia. Todos os dias pela manhã, quando ele dá seu primeiro sinal de bom dia, o mundo ao redor ganha novas cores e às vezes fica difícil não sorrir.

Às vezes estou dando aula e no meio de um raciocínio ele dá aquela cutucada e a vontade é parar tudo para saudá-lo.

Eu sempre fui fascinada com a maternidade. Minhas amigas já mães sabem bem como eu amo seus filhos como se fossem um pouco meus. Essa barriga oval que guarda lá dentro o milagre da vida é algo de uma potência inestimável.

E ontem, no chá de fraldas do meu filho, nós ganhamos um lindo quadro que explica o seu nome e eu descubro que Antônio significa justamente “inestimável”.

Confesso que eu não havia buscado o significado de seu nome, mas nada poderia se encaixar melhor. Claro, todos os filhos são (ou deveriam ser) inestimáveis, mas carregar esse sentido simplesmente faz sentido para ele.

Nós não nos vimos ainda, mas eu conheço seus horários, sei os momentos em que ele fica mais agitado e adoro saber que ele gosta da música que eu escolhi para ele (“Silenciosa”, versão da Mônica Salmaso: para ouvir clique aqui). Quase todos os dias no banho a gente canta junto.

Eu não me sinto uma futura mãe. Eu já sou a mãe do Antônio e esse sentimento é indescritível.

Já visualizei sua chegada algumas vezes e sei que não faço a menor ideia do que nos aguarda. Olhar para seus olhos pela primeira vez será a compensação de cada angústia, medo, lágrima vertida.

Nesse primeiro dia das mães fica o cheiro das flores no ar, a ansiedade gostosa por dar banho, acalentar, amamentar, vestir, reconhecer, sorrir para ele.

Falta pouco para a sua chegada e depois disso todos os dias serão meus e seus e do seu pai e dos seus avós, meu filho amado.

A vida já faz mais sentido.

Um dia lindo a todas as mães desse mundo.