sexta-feira, 15 de maio de 2015

Sobre gentilezas e ignorâncias

Sempre ouvi que o mundo ama as grávidas e que vivemos cercadas de gentilezas por todos os lugares, mas confesso que agora, quase entrando no oitavo mês de gravidez, percebo que essa não é bem uma máxima não.

Meu marido diz que gente idiota é idiota com qualquer um e realmente, acho que isso encerraria esse post por aqui, é uma grande verdade. No entanto, talvez eu extrapole um pouco o tema da gravidez para refletir como o mundo me parece um lugar por vezes frio e apático, por outras extremamente hostil.

Temos uma tendência a achar que nosso tempo sempre é pior, não é? Quase escrevi no parágrafo acima que acho o mundo hoje um lugar muito hostil, mas talvez ele tenha sido sempre assim.

Eu nomeei este post mencionando tanto a ignorância quanto a gentileza, porque é claro que não tenho me sentido hostilizada pelo mundo como se todos ignorassem meu estado, não é dramático assim. Acho que agora que estou nesse lugar “preferencial”, eu tenho observado atitudes que antes passavam despercebidas, deve ser isso.

Falo de coisas pequenas.

Exemplo: eu faço hidroginástica desde as 15, 16 semanas de gravidez e perto de minha casa há três linhas de ônibus que me deixam praticamente na porta da academia. Eu gosto muito de observar o mundo e as pessoas, então andar de ônibus é algo que me agrada – à exceção daqueles lotados, claro.

No início eu pegava ônibus com muita tranquilidade, já mencionei aqui no blog que eu demorei a parecer de fato grávida. A academia é perto, então em cerca de 15 minutos eu chego lá.

No entanto, de um mês, um mês e meio pra cá tem ficado praticamente impossível pegar ônibus. Meu ponto fica a menos de um quarteirão da minha rua, uma semi-ladeira. Três fatos me desanimaram de pegar ônibus, especialmente a linha 9101 (eu moro em BH), para a qual o requisito para se tornar motorista parece ser o de ter uma mentalidade sociopata e ser kamikaze.

Um dia eu entrei no ônibus e atrás de mim entrou uma senhora de uns 50 anos. Era praxe, eu subia no ônibus e caso não tivesse lugar antes da roleta, eu esperava o ônibus fazer a curva, subir a ladeira, fazer a outra curva e ficar em linha reta para eu passar a roleta em segurança e não correr o risco de machucar. Pois bem, nesse dia eu parei para esperar o ônibus fazer a curva e essa senhora colou nas minhas costas quase encostando em mim. Eu olhei para ela e disse “estou só esperando ele fazer a curva”. Ela continuou colada e soltou, ríspida “você não vai passar não, hein? ”. (Nessa época minha barriga já estava protuberante a ponto de dar para perceber a gravidez). Respondi “senhora, a curva é muito sinuosa, estou apenas aguardando para passar em segurança”. E ela quase me atropelou e disse que estava com a perna quebrada (detalhe que ela estava de calça jeans e sem muletas). Não aguentei e usei a carta da gravidez: “tudo bem senhora, eu estou grávida como pode ver e não estou agindo com rispidez com ninguém aqui dentro. Se faz tanta questão, passe”. Afastei com muita dificuldade no meio da curva e ela passou a roleta, na maior grosseria.

O engraçado é que não havia assentos livres, então ela deu um piti só pra passar a roleta e ficar de pé do outro lado. A trocadora ouviu a discussão, olhou para mim e falou “de jeito nenhum você vai passar essa roleta”. E pediu pra uma pessoa levantar do assento preferencial e eu sentar. Disse que ela não permite grávidas passando a roleta, pois uma freada poderia ferir a barriga e que era pra eu exigir os meus direitos sempre que pegasse um ônibus. Eis a demonstração extrema da gentileza.

A tola que foi grosseira comigo ficou de pé do outro lado e eu sentei.

A questão é que nunca mais vi essa trocadora-anjo e todos os outros trocadores olharam pra mim como se não houvesse uma protuberância em minha barriga, ninguém mais ofereceu ajuda depois desse dia.

O segundo fato aconteceu em uma linha 8101 do Move. O ônibus estava todo ocupado, porém, não havia pessoas de pé. Eu passei a roleta e havia três assentos preferenciais, todos ocupados por pessoas jovens, sem nenhuma deficiência, com menos de 40 anos. Eu olhei para as três (nesse dia a minha barriga já estava enorme e meu caminhar já se assemelhava ao de um pinguim). Uma delas, um jovem aparentemente na casa de uns 25-30 anos, estava com um fone de ouvido, me olhou, desviou o olhar e colou o rosto na janela. Uma mulher se levantou – não, não foi para mim, foi para descer – e antes que eu pudesse chegar no assento, outra mulher igualmente jovem passou literalmente na minha frente e sentou. Desolada, eu fui para o final do ônibus e fiquei de pé até liberar um assento lá atrás.

O terceiro e derradeiro fato aconteceu há menos de duas, três semanas. Dei sinal para o ônibus e mal eu pisei na escada, o motorista olhou para mim (e para a minha barriga enorme), arrancou o ônibus e foi em direção à curva como se estivesse dirigindo um veículo de fórmula um e eu quase caí. Catei um cavaco colossal e cheguei cambaleando numa cadeira vaga um pouco à frente. Esbravejei um bocado, ele e trocador ignoraram solenemente e ali eu desisti de pegar ônibus até o Antônio nascer (e certamente não pretendo me aventurar com ele pequenininho). Confesso que também não tenho fosfato para brigar todas as vezes em que eu entrar dentro do ônibus.

Um dia, conversando com um motorista de táxi, ele comentou das condições absurdas que os motoristas de ônibus são submetidos em BH. Ele me contou que existem cronogramas de horário quase impossíveis de cumprir e que os motoristas não têm tempo sequer de ir ao banheiro ou se alimentar durante o expediente. Com o aumento do trânsito na cidade, eles não conseguem cumprir o tempo previsto para o trajeto do ponto de saída ao ponto final e são severamente repreendidos. Isso certamente está gerando pequenos monstros. E aí, olhando em perspectiva, vejo pessoas pensando em sua própria situação: eu e minha gravidez, a tal mulher e sua perna, os motoristas e o relógio apitando o pouco tempo que eles têm. E acabamos nos virando uns contra os outros.

Outra manifestação de ignorância que eu tenho presenciado é como pedestre. Eu volto a pé da faculdade que eu dou aula... mais barato, bom pro meu corpo e pra me manter ativa, além de ser bem perto; sem o Antônio eu levava 15 minutos, agora pinguim e com a super barriga, eu levo 25.

É só descida e, quase no final, eu tenho de atravessar uma ruela pequena pela qual pode passar somente um carro. Fica na esquina da Alvarenga Peixoto com a Rua São Paulo (finalzinho da Bárbara Heliodora). Nas últimas vezes eu tenho prestado atenção, não há uma vez sequer que os carros parem para eu atravessar. Eu sempre tenho de esperar todos eles para eu poder ir. E não há padrão de raça, sexo, idade ou credo não, de taxistas e mulheres jovens a homens jovens ou idosos, todos, indiscriminadamente, ignoram o aviso de pare no chão, ignoram a minha barriga e seguem adiante.

Essas coisas seriam engraçadas se não fossem um pouco trágicas.

Há seus contrapontos também, claro. Eu e meu marido estávamos no supermercado há um tempo atrás e fomos na fila preferencial, onde estava um casal de idosos com um carrinho bem cheio. Notei que o senhor me olhou umas duas vezes e, desconfiada, pensei se talvez ele não tivesse visto que eu estou grávida. De repente ele se aproxima e diz “senhora, mil desculpas, eu já havia começado a passar as compras quando vocês chegaram, senão eu os deixaria passar na frente, desculpa mesmo”. Engraçado, ele também era preferencial e foi de uma delicadeza extrema conosco.

Enfim, talvez este seja meu post mais inútil, pois estou literalmente chovendo no molhado. As pessoas idiotas mantêm a coerência, não haveria razão para serem diferentes em casos específicos.

Porém, ainda que seja tolo e um pouco clichê esse olhar melancólico para os tempos de agora, eu ando achando este um mundo um tanto quanto hostil. 

Um comentário:

  1. Ei Ucha, é complicado mesmo. Ninguém é educado com a gente e nem todos se sensibilizam com nossa gravidez...um absurdo, é uma vida que estamos gerando, mas...
    São raras as pessoas que vão brigar por vc, então quando foi minha vez sempre fiz valer meu direito, fosse em supermercados, ônibus e em tudo que eu tivesse preferência pelo "simples" fato de estar grávida. Claro, com minha singela sutigela de leonina rsrs.
    Minha irmã riu até quando fui em um show em RP e um bêbado tentou me agarrar, mesmo eu estando com a barriga de 6 meses...rsrs desci-lhe o braço Já parei um supermercado para fazer valer a fila preferencial, ainda tive que escutar que era feriado..aff, respondi amiga pode ser feriado, dia santo, domingo PREFERENCIAL É PREFERENCIAL.Já pediram para passar na minha frente no supermercado, mas respondi um singelo não(a peça pede e existem 2 respostas, sim ou não.E ela com sua cara lavada quis correr o risco)...que fez a moça achar um absurdo pq ela tinha só umas coisinhas e eu com carrinho lotado. Já estava com 8 meses e fiz compras e ainda teria que além de ficar esse tempo todo em pé ceder minha vez, haha não comigo. Mas algumas pessoas não entendem isso, vaga para deficiente sempre é usada por deficiente, mesmo que ás vezes seja puramente mental...

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