quarta-feira, 28 de setembro de 2016

1 ano

Antônio, aos olhos e coração da mamãe*

Antônio chegou no dia sete de julho de 2015, às 14:27. Sete, seu número por excelência, representa (de acordo com uma breve leitura numerológica) perfeição, espiritualidade, a integração entre os dois mundos e é considerado símbolo da totalidade do Universo em transformação. Só o fato de eu, sua mãe, buscar o significado de um número que tanto representou a sua chegada, mostra como Antônio veio para despertar o divino.

Doce, alegre e ligado no 220, Antônio só chora quando a coisa fica complicada para o seu lado. Mesmo doente mantém o bom humor, o sorriso cativante e a excitação diante do mundo que se descortina dia a dia diante de seu olhar observador e atento.

Custou a sair do “biligue” da mamãe. Mudou um pouco a posição e virou a cabeça como se dissesse “pra que eu vou sair daqui, minha gente?”. Chegamos à maternidade à uma e meia da madrugada e mal sabíamos que treze (porque treze é Galo, lógico) horas guardavam o maior de todos os encontros.

Sua mãe segurou a onda por um bom tempo, curtiu as massagens da tia Kalu, tentou todas as posições possíveis e descontou a tensão no papai. Tia Míriam, um ser de luz que nos acompanhou por toda a gestação, desfalecia com seu pai em alguns momentos, pois era final de semestre e muitos bebês haviam chegado nos dias que antecederam seu nascimento.

Quando mamãe desesperou, pediu penico e jogou temporariamente a militância pelos ares e pediu cesárea, Míriam chamou uma obstetra para tentar uma manobra e, um pouquinho antes dela entrar no quarto, você mudou de posição e coroou sua linda cabecinha.

Esse momento resume Antônio.

Desde que você chegou, vimos seu despertar diário com muito amor e um tanto de expectativa e ansiedade (para o vovô, você já daria os primeiros passos, jogaria futebol e subiria na bicicleta aos três meses!). Seu primeiro sorriso, as primeiras palavrinhas (agu, ungui, ungá) e a expressão boquiaberta com as mãozinhas agitadas – sua marquinha registrada – que parecem significar um sonoro “que legaaaaal”.

Antônio, aos poucos, foi mostrando que não adianta pedir que ele fale ou faça algo. Ele é dono de si e decide o momento certo. Ainda não ouvimos os tão esperados “mamãe”, “papai”, “vovó”, “vovô”, “dinda”. Um belo dia Antônio sentou retinho. Em outro, ficou de quatro. De repente, saiu desembestado em meio aos seus brinquedos, sempre cuidando de direcionar seu caminho através de algo que gira, roda ou rola e vai na frente mostrando para ele que é seguro seguir.

Quando descobriu como é divertido jogar as coisas no chão, mandou pelos ares o BLW e tratou de arremessar tudo aquilo que aparece em sua frente.

Antônio adora música. Desde a barriga reagia às canções que mamãe cantava (Silenciosa, Painter Song...) e demonstrou enorme bom gosto (adora Beatles – como não? -, America, James Taylor). Desde que descobriu a senhora galinha pintada, se quisermos comer, cozinhar ou conversar por cinco minutos isso só é possível se a simpática galinácea azul entoar seus cantos pela casa.

Antônio adora ouvir a ordem dos números e saber a quantidade das coisas. Ventiladores despertam seu fascínio e todo o resto é ignorado se vemos um ligado.

Antônio é uma criança cheia de amor. Gosta de um aconchego, de colo, do leitinho da mamãe, de abacate, laranja, manga, biscoito de arroz, mingau de banana, papinha de frango, mingau de milho e abobrinha, purê de batata, pãozinho de abóbora.

Adora brincar com os avós e entende que cada relação tem uma mágica própria. Com cada um de nós (mamãe, papai, vovós, vovô, tia Cláudia) ele encontrou um caminho, um tipo de sorriso, uma posição para dormir, uma dinâmica, um tempo.

Gosta de água: de beber, de brincar com ela e de nadar. Adora árvores. Gosta de saber os sons que os animais fazem e de ouvir as musiquinhas que cantamos diariamente para fazê-lo abrir a boca na hora do almoço e do jantar ou mesmo bater palmas e rir conosco (parabéns em todas as versões possíveis, o chapéu de três pontas, a carrocinha que pegou três cachorros de uma vez, alecrim, o pescoço da girafa e muitas mais).

Ganhou um monte de apelidos: Bizuin (que virou Bim), Fifico, Toquinho, Toco, ou mesmo Tõin, que vovô fala despistado, porque nenhum de nós curte muito.

Adora saber o que ele seria caso o Bim fosse um peixe (Surubim!), um anjo (Querubim!), um mágico (Salabim!), um metal (Chumbim!), ou um super-herói (Robin!).

Antônio ama viver. Dormir, para ele, é perda de tempo. Com tanta coisa incrível e colorida, pra que ele vai fechar os olhos ao mundo que o convida?

Hoje celebramos seu primeiro aniversário, junto de sua mãe, privilegiada com o melhor presente do mundo.

Convidamos vocês, nossos queridos convidados, a plantarem um girassol em suas casas, quintais, em qualquer lugar. A ajudarem Antônio e todas as crianças que chegam com ele a terem um mundo mais verde, mais humano, de amor, cor, igualdade e compreensão.

Que nos anos vindouros continuemos juntos a celebrar sua vida e tudo que pulsa ao seu redor.

Para onde vamos daqui não sabemos ao certo, mas meu pequeno já me mostrou a importância de fazer do agora o para sempre. Façamos juntos.

Feliz Aniversário, filho meu. Que Papai do Céu o acompanhe sempre.
7.7.2016

*texto escrito para a lembrancinha do aniversário, junto de uma semente de girassol.

   

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Vovô dos Alpes

Meu filho, hoje, dia 20 de janeiro de 2016, faz quatro anos que o vovô dos alpes nos deixou para ficar perto do Papai do Céu. Um dia teremos de explicar a você o significado disso. Partir para nunca mais voltar... ao menos enquanto estivermos vivos e assim, de carne e osso como somos agora.

Quatro anos é muito tempo e um dia você entenderá que também não é tempo nenhum, parece ontem. Aliás, um dia a mamãe vai tentar te ensinar como o conceito de tempo é algo relativo. Um dia você vai passar a tarde brincando com seus amigos e vai parecer que passaram apenas cinco minutos, bem como vai haver muitas circunstâncias em que você terá de fazer coisas que não serão divertidas (o duro é que construímos uma rotina que nos força a fazer muita coisa assim) e o tempo vai passar muito, muito devagar.

Um dia a mamãe vai te contar com calma como foi o papai dela. Espero que sejamos bons amigos e você goste de conversar comigo. O vovô dos alpes não gostava muito de conversar sobre coisas tristes ou difíceis, mas ele adorava contar como foi o dia dele, das brincadeiras que ele fazia com seus colegas de trabalho (a maioria delas envolvendo futebol), falar do clima lá fora, dos programas de TV que ele assistia, de política e de cozinhar.

Quando você ler isso, já vai entender que o “dos alpes” é porque o vovô nasceu na Alemanha. Um dia ele criou um e-mail que começava com zedosalpes@... Zé é a tradução do nome alemão dele, Josef (José, no Brasil). Eu sempre lembro com carinho desse e-mail e sinto muita saudade de receber notícias dele. Um dia nós vamos conversar sobre saudade.

O vovô dos alpes torcia para o Bayern de Munique e depois de morar doze anos aqui no Brasil, se apaixonou pelo Atlético Mineiro. Eu espero que você se torne atleticano, mas vou tentar entender e respeitar se escolher outro caminho. Futebol é algo da ordem do inexplicável... tolos aqueles que pensam que são apenas homens correndo atrás de uma bola. É muito gostoso torcer pelo time de nossos pais, porque sempre haverá algo para dividirmos juntos. Infelizmente o vovô nunca me levou a um jogo do Galo, mas eu tenho certeza que levaria você. Um dia a mamãe vai falar com você sobre machismo e conservadorismo.

Infelizmente o vovô dos alpes partiu antes de ver o Galo ganhar a Copa Libertadores em 2013. Acho que lá de cima ele iria rir se eu dissesse para ele que ele era o pé frio, pois depois que ele partiu, o Galo ganhou o campeonato mineiro daquele ano, no ano seguinte a Libertadores e ganhou a Copa do Brasil no dia em que eu ouvi seu coração bater pela primeira vez (e contra nossos rivais!). Ele costumava chamar os cruzeirenses de “elas”, mas um dia a mamãe vai te explicar que esse não é um jeito respeitoso de tratar o seu rival (e nem a ninguém). Um dia vamos conversar sobre escolhas.

Quando eu o visitava na Alemanha, a gente assistia a todos os jogos do Bayern na sala do apartamento dele. Havia tapete por todos os lados, era pequeno, mas aconchegante e eu sempre dormia em paz no seu sofá. Toda vez que eu ia ao banheiro e o Bayern fazia um gol, o vovô me mandava ficar por lá... tínhamos essa brincadeira do pé frio. Um dia a mamãe vai te ensinar o que significa ironia do destino.

O vovô cozinhava muitíssimo bem e cuidava muito bem de sua casa. Ele limpava o apartamento e passava aspirador de pó em tudo (até disso eu sinto saudade). Lavava e passava suas roupas como ninguém. Ele adorava plantas. Ele adorava ver as estações passarem da janela do meu quarto em seu apartamento. Um dia ele filmou o pôr-do-sol e esse vídeo me ajudou muito quando a saudade doía tanto que a mamãe ficava sem ar. Um dia a mamãe vai te ensinar a cuidar de seu espaço.

As especialidades do vovô eram pato recheado assado (ele fazia um recheio com os miúdos do pato, maçã e não sei mais o quê e costurava dentro do pato como se fosse um cirurgião), Spätzle, uma carne defumada com ovo frito em cima (deliciosa), macarrão (eu amava seu macarrão com molho ao sugo) e ele fazia a melhor mesa de frios que eu já comi na vida. Ele cuidava de tudo com muito carinho e às vezes era até chato com isso. Vovô era bastante sistemático, mas gostava de me chamar de “Penibel”, que significa “meticuloso”, mas acho que ele queria era dizer que eu sou sistemática com algumas coisas como ele era. Ríamos muito disso. Um dia a mamãe terá todo prazer do mundo em te ensinar a cozinhar.

O vovô me ensinou a jogar dominó, ludo e mahjong (jogos bem fáceis, talvez você nunca os jogue, né?). Ele fez um tabuleiro de damas com ludo para mim e construiu uma caixa com um dominó lá dentro. Estou guardando para você, espero que um dia possamos jogar juntos.

O vovô passou muito tempo longe de mim e isso deixou o coração da mamãe muito triste. O seu nascimento me trouxe de volta para a minha infância e tem sido difícil entender muitas coisas. Eu acredito que Papai do Céu tenha trazido você para a minha vida, pois assim meu coração vai cicatrizar. Um dia a mamãe vai falar sobre tristeza, solidão e expectativas com você, meu filho.

O vovô dos alpes era muitas coisas. Todos nós somos, você vai aprender isso também. Ele cometeu erros, mas também acertou muito. Depois de meus onze anos eu passei a vê-lo muito pouco, mas mesmo assim ele sempre ocupou um espaço enorme em meu coração. Quando estava perto da gente encontrar, ele dizia que iria me dar um abraço apertado, daqueles que quase quebra os ossos. E eu sinto muita falta disso. Nunca deixe de abraçar quem você ama, meu filho.

O vovô tinha um colega de trabalho que era russo. Ele ensinou algumas palavras para ele, dentre elas, “Druschba”, que significa “amizade”. Não me lembro muito como, mas essa virou a nossa palavra. Ele inventou um movimento com o braço para cima sempre que a dizia e era um código entre nós. Dizíamos sempre ao nos despedirmos. Druschba foi a última coisa que o vovô me disse quando o deixei no hospital para voltar ao Brasil. Lembro-me como se fosse agora de ser tirada do quarto enquanto, deitado na cama muito doente, ele levantava o braço para mim pela última vez. Tenho certeza que você será um grande amigo, filho meu.

Depois que surgiu a internet (pois é, a gente viveu sem ela muitos anos), o vovô gostava de ver no mapa onde eu morava. Ele amava mapas e sabia quase todas as estradas do Brasil. Quando ele morou aqui precisou muitas vezes viajar a trabalho e na maioria delas ia de carro. Ele me ensinou a gostar de conhecer os lugares, de andar a pé, de observar. De alguma maneira isso ajudou a mamãe a escrever. E eu espero poder te ajudar a encontrar algo que você ama em sua vida.

Falando nisso, você tem uma característica muito parecida com o vovô, já agora. Desde que começou a enxergar melhor as coisas, você sempre se encanta quando vê uma árvore. O vovô dos alpes amava árvores. Ele catalogou milhares de espécies e sabia trabalhar com madeira como ninguém. Quando eu era pequena ele fez um lindo cavalinho de balanço para mim, um dia eu te mostro a foto. Ele fez o jogo que eu falei e sempre construía coisas lindas.

Ele amava navios. Sempre comprava modelos para montar, até que um dia ele resolveu fazer um do zero. Comprou um modelo só para pegar o passo a passo e construiu tudo de madeira. Ele comprou um caderninho onde anotava as horas trabalhadas nesse navio. Amarrou as cordas do navio com fios de nylon e linho. Infelizmente ele nunca terminou esse navio e hoje ele está na casa do tio Gerhard, irmão e melhor amigo do vovô.


Hoje quando você olha uma árvore, você suspira e fica muito excitado. Estica seus braços, sorri e ali, na sua relação com a natureza, você parece ser alguém de muita sabedoria, meu filho. A mamãe vai te contar tudo do vovô dos alpes, para que você sempre saiba quem ele foi e pense nele com carinho. A mamãe deseja que o seu papai fique por perto por muitos e muitos anos e que um dia você se despeça dele e da mamãe num tempo que... certo nunca vai ser, mas que seja natural. E um dia a mamãe vai tentar te ensinar o que isso significa.