quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Esse tal de puerpério

Você se prepara.

Matricula na hidroginástica, na yoga, faz acupuntura, fisioterapia, melhora a alimentação, participa de grupos, lê relatos de parto, se abre, se blinda.

Você espera.

Filma a barriga todos os dias, conversa com o bebê o tempo todo, conta os dias para o próximo ultrassom, fantasia como será o rostinho dele.

O tempo passa mais rápido do que você imaginava e ele chega. Lindo, saudável, bochechudo e trazendo consigo o maior amor que você já ousou sentir na vida.

Os primeiros dias passam e você acompanha a madrugada, falhando em cada tentativa de dormir.

Seus olhos teimam em fechar e você desconhece o tal instinto materno, não faz ideia da razão de seu choro.

Dar ou não chupeta, mamadeira? Insistir na dolorosa amamentação?

Os dias passam, os meses passam e você não consegue finalizar uma frase quando ele dorme, porque suas sonecas diárias, quando longe de seu colo, costumam durar dez minutos, e de noite, quando ele enfim aceita o berço, tudo o que você consegue fazer é tomar banho e dormir também. Porque daqui a 40 minutos ele vai chorar de novo e querer mamar e não sair do seu colo.

A máxima proferida pelas mães de bebês mais velhos a mães recentes é “vai passar”.

Quando você ouve isso, tudo parece tão distante... sua memória, sua capacidade de dormir, cozinhar, tomar um banho mais demorado, responder um e-mail, fazer as unhas. Por vezes você se pega questionando “o que eu fiz da minha vida? ”, para logo em seguida ser consumida pela culpa.

Você acha tudo surreal, as vozes parecem assombrosas, a luz, a TV incomoda, o silêncio se torna seu bem mais precioso e tudo o que você quer é que ninguém tire seu filho do seu colo. Você quer ficar colada nele, ainda que aquela coisinha indefesa por vezes te pareça terrivelmente assustadora.

O mundo continua em seu ritmo normal e tudo o que você quer é gritar ‘para tudo que eu pari!”. Ninguém escuta, todo dia tem visita, luzes acesas, pessoas vigiando sua luta pra amamentar.

Você tenta descobrir um jeito de enfiar seu filho de volta na sua barriga.

No desespero você olha seu bebê e pede pra ele trocar aquele olhar confidente, ‘ei, estamos no mesmo barco’. Mas ele não fixa o olhar e às vezes vira os olhos de forma preocupante e você se desespera, o que tem de errado com meu bebê? Aí você descobre que o desespero se tornou seu confidente e é assim mesmo, seu sistema nervoso ainda está amadurecendo.

Seu filho não é mais só seu, senti-lo passa a ser possível a todos e todos querem fazê-lo ao mesmo tempo. ‘Me devolve’, você quer gritar, mas não grita. Você sofre calada, ninguém seria capaz de entender. As pessoas chegam em sua casa e não olham pra você. Elas lavam as mãos e tomam seu filho. Ninguém te pergunta se você está bem.

Você sempre sonhou em amamentar, mas seu peito arde, dói, fere. Quando seu filho mama você sofre, como isso pode estar certo? Você se lembra dos cursos, da pega correta, da foto da Cássia Kis amamentando um garoto de três anos que estava pendurada lá na Casa de Parto onde seu filho nasceu.

Você procura ajuda. Vai no principal banco de leite da cidade e percebe que a pega estava errada, a posição errada e não é recomendado passar nada. Você não consegue fazer seu almoço, mas também não consegue almoçar, porque seu filho insiste em fazer cocô, soluçar, clamar por você sempre na primeira garfada. Quando você finalmente consegue, você come correndo pra pegá-lo de volta, porque ficar longe dele dói.

Um belo dia, de tão exausta, você resolve amamentar deitada no meio da madrugada porque você não consegue ficar sentada sem cochilar. No dia seguinte seu peito arde em brasas. Aparece um ponto branco e você percebe que entupiu um ducto. O pavor toma conta. Você vai à mastologista e ela te passa uns medicamentos com a indicação de ficar três dias sem amamentar no peito machucado. Você não consegue tirar muito leite com a bomba e o que consegue seu filho cospe do copinho. Você não quer dar mamadeira, Deus que livre dele largar o peito.

Não tem como amamentar em paz, sempre tem alguém em cima de você ou comentando sobre seu peito, seu leite, seu jeito de amamentar, ou falando sobre outros assuntos. Você cogita fugir com seu bebê pra uma caverna. Se pergunta como alguma coisa vai passar, nada vai passar, vai ser assim pra sempre.

Em prantos você procura uma solução para o seu peito e acha um artigo com um passo a passo para desentupir o ducto. Você toma um banho quente e enquanto isso seu bebê chora muito no colo do pai, que te olha tenso. Você fica tensa, você precisa tirar o leite, mas ele não vai tomar depois. Você esteriliza uma agulha e fura o ponto branco. Você sacode o peito, põe na bomba e um tempo depois põe seu filho pra mamar. Dói. Dói um absurdo. Você chora muito e se culpa. Você lembra daquela droga de livro que diz que seu filho e você estão fundidos e acha que causará um trauma nele por estar amamentando tão arrasada.

Os dias começam a passar. Seus peitos melhoram. Estão chegando os primeiros 45 dias e você propõe ao seu marido uma volta na rua, sob pena de você enlouquecer se não o fizer. Você arruma o bebê e vocês dão uma única volta no quarteirão. Algumas pessoas olham com ternura, as pessoas te veem, você ainda existe. De repente tudo não parece tão terrível, vocês conseguiram dar a volta no quarteirão.

Um dia você está com seu bebê no colo na sala e seu marido acorda e vem dar bom dia.

Antônio sorri.

Você não acredita. Seus olhos se enchem de lágrimas, Antônio despertou para o mundo.

Como um passe de mágica você consegue amamentar, interagir com seu filho, sair na rua. Receber visitas passa a ser agradável. Você reconhece aquele choro: é fome, é sono, é dengo. Aos poucos você vai se ajeitando até o dia em que você finalmente consegue cortar os cabelos e fazer as unhas.

De repente tudo ficou pra trás e lá está você sonhando em engravidar de novo.

Há quatro meses e cinco dias Antônio nasceu e mudou tudo.

Há quatro meses você se sentiu a mulher mais feliz do mundo. Bonita, fêmea, pulsante.

Uns dias depois você achou que havia mergulhado num caos eterno.

Até que passou. Meu puerpério passou e eu sobrevivi.

Até esqueci algumas coisas e hoje sou eu a proferir o mantra “vai passar”.

Hoje há novos desafios, ele ainda não dorme mais de duas horas e meia seguidas, mas o sorriso que você recebe todas as manhãs compensa cada segundo da sua vida inteira.

6 comentários:

  1. Imagino ouvir o fiozinho de sua voz enquanto embala, amamenta e acalenta. Leio atentamente o que descreve e revive. Vejo e compartilho esta nova vida a três
    ( pai, mãe e filho) que julgo justa e dadivosa. Eu também atesto a luta de uma mulher forte e corajosa. Leoa... E estarei sempre por perto para somar.

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  2. Exatamente assim, foi comigo, incluindo a foto da Cássia kiss. O puerpério é um tempo suspenso no espaço do qual não falamos. Ótima sua iniciativa de dar voz a todas nos que nos perdemos e nos achamos no pós parto. Texto lindo, como sempre

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  3. Exatamente assim, foi comigo, incluindo a foto da Cássia kiss. O puerpério é um tempo suspenso no espaço do qual não falamos. Ótima sua iniciativa de dar voz a todas nos que nos perdemos e nos achamos no pós parto. Texto lindo, como sempre

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  4. Me senri como se eu tivesse escrito cada palavra. O Puerpério é um milhão de aprendizado pessoal e do bb. E só nós, as mães, é que vamos desvendar os nossos próprios mistérios. E depois que o mantra "vai passar" se faz real, dá pra perceber que foi tudo uma adaptação fabulosa de corpos, mentes e espíritos!

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  5. Querida, adorei o texto! Que você continue compartilhando conosco por aqui seu olhar e sensacoes deste nosso momento tao especial! Adoro a transparencia da sua escrita! Dica para o próximo texto: aquele tema que comentamos outro dia, lembra?! Beijo grande!

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  6. Quanta semelhança! Graças a Deus passou, mas vai ter mais, ne? E a gente esquece mesmo do que não é bom. Bjos pra você e pro Antônio!

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