quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

De mim

Ninguém me avisou o quão solitária é a experiência da maternagem.

Talvez porque o mundo cobre da mulher um estado de graça constante. Sentir tristeza em meio a um processo tão mágico se configura como uma espécie de crime social.

Mas, e aí vem o mais curioso, ao me fundir em dois, eu e meu bebê, eu me transformo realmente em dois sentimentos que passam a conviver, quase que diariamente. Antônio é luz, é repouso, é encanto, é beleza, é amor, o mais puro do universo. Sua mãe é a pessoa mais afortunada por tê-lo em sua vida.

No entanto, o eu mulher, ao fundir em dois, se torna um ser cindido e os pedaços acabam espalhados pelo chão e na loucura que eu me transformo, desaprendo a catá-los.

Sim, sou um ser pleno por ter Antônio. Mas também não compreendo o que restou de mim depois que ele saiu do meu ventre e eu ganhei um corpo de experiência passada.

O nascimento – e isso ninguém ousou me dizer – é morte em vida. Nasce um ser, morre uma barriga. Fica um vácuo, que nos primeiros dias é sentido inclusive fisicamente, como se seu corpo ficasse oco, como se os órgãos tivessem descolado e flutuassem nesse lugar que precisa se ressignificar e não sabe muito bem como.  

Eu me torno dois, mas também me ‘destorno’. Destorno porque uma vez mãe, a maioria absoluta das pessoas não me vê mais mulher, não me vê mais sentimento, não me vê mais carência, não me vê solidão, não me percebe triste. Muitas vezes sequer me vê.

Me destorno e me ‘desveem’. É necessário o neologismo, pois no lado negro da maternagem (sim, mundo, há um lado negro) as palavras existentes por vezes se tornam insuficientes para expressar esse lugar/não-lugar.

Soa dramático, sim, soa. Mas é assim que é.

Acho que estou me repetindo, mas que seja, esse espaço aqui é meu.

Antônio saiu de minha barriga e eu não posso chamá-lo de meu. Não devo, não é correto. Antônio é um ser do mundo, um divino e adorável ser do mundo. A minha missão (e a de seu pai) é ensiná-lo a partir, mostrando para ele que nós somos a possibilidade do retorno eterno. O berço, o acalanto, o abraço, o ouvido, o silêncio.

Ser mãe dói, porque a gente passa nove meses acompanhando nossa carne se distender e gerar um outro. Sim, um outro, ainda que dentro de nós. Fundido, mas em iminência de se soltar.

Ser mãe é aprender a se destituir de seu eu primário e ter sempre aquele outro como prioridade absoluta. É não chorar diante dele (ao menos tentar) e inundá-lo de sorrisos, pois ele acabou de chegar e ainda falta um tanto para ele aprender que o mundo é muito diferente daquele ventre que o nutriu e acolheu, daquela voz que cantou para ele todos os dias com a mesma intensidade e amor.

Estou aprendendo a ser mãe e não sei se existe diploma nessa faculdade.

A questão aqui não é esse eu-ser-mãe em processo, que se forma dia a dia a cada delícia e agrura que vier.

A questão é o eu-mulher esquecido pela sociedade que, ao que parece, não aprendeu ou desaprendeu que deixar nascer outro, deixa solidão dentro.

Infelizmente, mundo, gerar alguém me fez constatar que falta humanidade em nós.

3 comentários:

  1. Desde ontem tento comentar o texto. Escrevi, apago, começo novamente... A experiência do puerpério, sobretudo do primeiro filho é tão viceral que de fato me faltam palavras. Que bom que elas não faltaram a VC que soube descrever com maetría o que se passa: a solidão, a revisão de valores, a fusão emocional, o apagamento do feminino... Excelente. Obrigada por escrever

    ResponderExcluir
  2. Este comentário foi removido por um administrador do blog.

    ResponderExcluir
  3. Forte, vigoroso e verdadeiro. São estas as palavras que tenho para comentar o texto. Não sei opinar sobre o seu conteúdo, pois ele mesmo nos mostra que não devemos usar um espelho para ver o que o outro sente.Prefiro me enfileirar ao lado de...próximo de...ou ser solidária.

    ResponderExcluir