Ninguém
me avisou o quão solitária é a experiência da maternagem.
Talvez
porque o mundo cobre da mulher um estado de graça constante. Sentir tristeza em
meio a um processo tão mágico se configura como uma espécie de crime social.
Mas,
e aí vem o mais curioso, ao me fundir em dois, eu e meu bebê, eu me transformo
realmente em dois sentimentos que passam a conviver, quase que diariamente. Antônio
é luz, é repouso, é encanto, é beleza, é amor, o mais puro do universo. Sua mãe
é a pessoa mais afortunada por tê-lo em sua vida.
No entanto, o eu mulher, ao fundir em dois, se torna um ser cindido e os pedaços acabam espalhados pelo chão e na loucura que eu me transformo, desaprendo a catá-los.
No entanto, o eu mulher, ao fundir em dois, se torna um ser cindido e os pedaços acabam espalhados pelo chão e na loucura que eu me transformo, desaprendo a catá-los.
Sim,
sou um ser pleno por ter Antônio. Mas também não compreendo o que restou de mim
depois que ele saiu do meu ventre e eu ganhei um corpo de experiência passada.
O
nascimento – e isso ninguém ousou me dizer – é morte em vida. Nasce um ser,
morre uma barriga. Fica um vácuo, que nos primeiros dias é sentido inclusive
fisicamente, como se seu corpo ficasse oco, como se os órgãos tivessem
descolado e flutuassem nesse lugar que precisa se ressignificar e não sabe
muito bem como.
Eu
me torno dois, mas também me ‘destorno’. Destorno porque uma vez mãe, a maioria
absoluta das pessoas não me vê mais mulher, não me vê mais sentimento, não me
vê mais carência, não me vê solidão, não me percebe triste. Muitas vezes sequer
me vê.
Me
destorno e me ‘desveem’. É necessário o neologismo, pois no lado negro da
maternagem (sim, mundo, há um lado negro) as palavras existentes por vezes se
tornam insuficientes para expressar esse lugar/não-lugar.
Soa
dramático, sim, soa. Mas é assim que é.
Acho
que estou me repetindo, mas que seja, esse espaço aqui é meu.
Antônio
saiu de minha barriga e eu não posso chamá-lo de meu. Não devo, não é correto. Antônio
é um ser do mundo, um divino e adorável ser do mundo. A minha missão (e a de
seu pai) é ensiná-lo a partir, mostrando para ele que nós somos a possibilidade
do retorno eterno. O berço, o acalanto, o abraço, o ouvido, o silêncio.
Ser
mãe dói, porque a gente passa nove meses acompanhando nossa carne se distender
e gerar um outro. Sim, um outro, ainda que dentro de nós. Fundido, mas em
iminência de se soltar.
Ser
mãe é aprender a se destituir de seu eu primário e ter sempre aquele outro como
prioridade absoluta. É não chorar diante dele (ao menos tentar) e inundá-lo de
sorrisos, pois ele acabou de chegar e ainda falta um tanto para ele aprender
que o mundo é muito diferente daquele ventre que o nutriu e acolheu, daquela
voz que cantou para ele todos os dias com a mesma intensidade e amor.
Estou
aprendendo a ser mãe e não sei se existe diploma nessa faculdade.
A
questão aqui não é esse eu-ser-mãe em processo, que se forma dia a dia a cada
delícia e agrura que vier.
A
questão é o eu-mulher esquecido pela sociedade que, ao que parece, não aprendeu
ou desaprendeu que deixar nascer outro, deixa solidão dentro.
Infelizmente,
mundo, gerar alguém me fez constatar que falta humanidade em nós.
Desde ontem tento comentar o texto. Escrevi, apago, começo novamente... A experiência do puerpério, sobretudo do primeiro filho é tão viceral que de fato me faltam palavras. Que bom que elas não faltaram a VC que soube descrever com maetría o que se passa: a solidão, a revisão de valores, a fusão emocional, o apagamento do feminino... Excelente. Obrigada por escrever
ResponderExcluirEste comentário foi removido por um administrador do blog.
ResponderExcluirForte, vigoroso e verdadeiro. São estas as palavras que tenho para comentar o texto. Não sei opinar sobre o seu conteúdo, pois ele mesmo nos mostra que não devemos usar um espelho para ver o que o outro sente.Prefiro me enfileirar ao lado de...próximo de...ou ser solidária.
ResponderExcluir