quarta-feira, 28 de setembro de 2016

1 ano

Antônio, aos olhos e coração da mamãe*

Antônio chegou no dia sete de julho de 2015, às 14:27. Sete, seu número por excelência, representa (de acordo com uma breve leitura numerológica) perfeição, espiritualidade, a integração entre os dois mundos e é considerado símbolo da totalidade do Universo em transformação. Só o fato de eu, sua mãe, buscar o significado de um número que tanto representou a sua chegada, mostra como Antônio veio para despertar o divino.

Doce, alegre e ligado no 220, Antônio só chora quando a coisa fica complicada para o seu lado. Mesmo doente mantém o bom humor, o sorriso cativante e a excitação diante do mundo que se descortina dia a dia diante de seu olhar observador e atento.

Custou a sair do “biligue” da mamãe. Mudou um pouco a posição e virou a cabeça como se dissesse “pra que eu vou sair daqui, minha gente?”. Chegamos à maternidade à uma e meia da madrugada e mal sabíamos que treze (porque treze é Galo, lógico) horas guardavam o maior de todos os encontros.

Sua mãe segurou a onda por um bom tempo, curtiu as massagens da tia Kalu, tentou todas as posições possíveis e descontou a tensão no papai. Tia Míriam, um ser de luz que nos acompanhou por toda a gestação, desfalecia com seu pai em alguns momentos, pois era final de semestre e muitos bebês haviam chegado nos dias que antecederam seu nascimento.

Quando mamãe desesperou, pediu penico e jogou temporariamente a militância pelos ares e pediu cesárea, Míriam chamou uma obstetra para tentar uma manobra e, um pouquinho antes dela entrar no quarto, você mudou de posição e coroou sua linda cabecinha.

Esse momento resume Antônio.

Desde que você chegou, vimos seu despertar diário com muito amor e um tanto de expectativa e ansiedade (para o vovô, você já daria os primeiros passos, jogaria futebol e subiria na bicicleta aos três meses!). Seu primeiro sorriso, as primeiras palavrinhas (agu, ungui, ungá) e a expressão boquiaberta com as mãozinhas agitadas – sua marquinha registrada – que parecem significar um sonoro “que legaaaaal”.

Antônio, aos poucos, foi mostrando que não adianta pedir que ele fale ou faça algo. Ele é dono de si e decide o momento certo. Ainda não ouvimos os tão esperados “mamãe”, “papai”, “vovó”, “vovô”, “dinda”. Um belo dia Antônio sentou retinho. Em outro, ficou de quatro. De repente, saiu desembestado em meio aos seus brinquedos, sempre cuidando de direcionar seu caminho através de algo que gira, roda ou rola e vai na frente mostrando para ele que é seguro seguir.

Quando descobriu como é divertido jogar as coisas no chão, mandou pelos ares o BLW e tratou de arremessar tudo aquilo que aparece em sua frente.

Antônio adora música. Desde a barriga reagia às canções que mamãe cantava (Silenciosa, Painter Song...) e demonstrou enorme bom gosto (adora Beatles – como não? -, America, James Taylor). Desde que descobriu a senhora galinha pintada, se quisermos comer, cozinhar ou conversar por cinco minutos isso só é possível se a simpática galinácea azul entoar seus cantos pela casa.

Antônio adora ouvir a ordem dos números e saber a quantidade das coisas. Ventiladores despertam seu fascínio e todo o resto é ignorado se vemos um ligado.

Antônio é uma criança cheia de amor. Gosta de um aconchego, de colo, do leitinho da mamãe, de abacate, laranja, manga, biscoito de arroz, mingau de banana, papinha de frango, mingau de milho e abobrinha, purê de batata, pãozinho de abóbora.

Adora brincar com os avós e entende que cada relação tem uma mágica própria. Com cada um de nós (mamãe, papai, vovós, vovô, tia Cláudia) ele encontrou um caminho, um tipo de sorriso, uma posição para dormir, uma dinâmica, um tempo.

Gosta de água: de beber, de brincar com ela e de nadar. Adora árvores. Gosta de saber os sons que os animais fazem e de ouvir as musiquinhas que cantamos diariamente para fazê-lo abrir a boca na hora do almoço e do jantar ou mesmo bater palmas e rir conosco (parabéns em todas as versões possíveis, o chapéu de três pontas, a carrocinha que pegou três cachorros de uma vez, alecrim, o pescoço da girafa e muitas mais).

Ganhou um monte de apelidos: Bizuin (que virou Bim), Fifico, Toquinho, Toco, ou mesmo Tõin, que vovô fala despistado, porque nenhum de nós curte muito.

Adora saber o que ele seria caso o Bim fosse um peixe (Surubim!), um anjo (Querubim!), um mágico (Salabim!), um metal (Chumbim!), ou um super-herói (Robin!).

Antônio ama viver. Dormir, para ele, é perda de tempo. Com tanta coisa incrível e colorida, pra que ele vai fechar os olhos ao mundo que o convida?

Hoje celebramos seu primeiro aniversário, junto de sua mãe, privilegiada com o melhor presente do mundo.

Convidamos vocês, nossos queridos convidados, a plantarem um girassol em suas casas, quintais, em qualquer lugar. A ajudarem Antônio e todas as crianças que chegam com ele a terem um mundo mais verde, mais humano, de amor, cor, igualdade e compreensão.

Que nos anos vindouros continuemos juntos a celebrar sua vida e tudo que pulsa ao seu redor.

Para onde vamos daqui não sabemos ao certo, mas meu pequeno já me mostrou a importância de fazer do agora o para sempre. Façamos juntos.

Feliz Aniversário, filho meu. Que Papai do Céu o acompanhe sempre.
7.7.2016

*texto escrito para a lembrancinha do aniversário, junto de uma semente de girassol.

   

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Vovô dos Alpes

Meu filho, hoje, dia 20 de janeiro de 2016, faz quatro anos que o vovô dos alpes nos deixou para ficar perto do Papai do Céu. Um dia teremos de explicar a você o significado disso. Partir para nunca mais voltar... ao menos enquanto estivermos vivos e assim, de carne e osso como somos agora.

Quatro anos é muito tempo e um dia você entenderá que também não é tempo nenhum, parece ontem. Aliás, um dia a mamãe vai tentar te ensinar como o conceito de tempo é algo relativo. Um dia você vai passar a tarde brincando com seus amigos e vai parecer que passaram apenas cinco minutos, bem como vai haver muitas circunstâncias em que você terá de fazer coisas que não serão divertidas (o duro é que construímos uma rotina que nos força a fazer muita coisa assim) e o tempo vai passar muito, muito devagar.

Um dia a mamãe vai te contar com calma como foi o papai dela. Espero que sejamos bons amigos e você goste de conversar comigo. O vovô dos alpes não gostava muito de conversar sobre coisas tristes ou difíceis, mas ele adorava contar como foi o dia dele, das brincadeiras que ele fazia com seus colegas de trabalho (a maioria delas envolvendo futebol), falar do clima lá fora, dos programas de TV que ele assistia, de política e de cozinhar.

Quando você ler isso, já vai entender que o “dos alpes” é porque o vovô nasceu na Alemanha. Um dia ele criou um e-mail que começava com zedosalpes@... Zé é a tradução do nome alemão dele, Josef (José, no Brasil). Eu sempre lembro com carinho desse e-mail e sinto muita saudade de receber notícias dele. Um dia nós vamos conversar sobre saudade.

O vovô dos alpes torcia para o Bayern de Munique e depois de morar doze anos aqui no Brasil, se apaixonou pelo Atlético Mineiro. Eu espero que você se torne atleticano, mas vou tentar entender e respeitar se escolher outro caminho. Futebol é algo da ordem do inexplicável... tolos aqueles que pensam que são apenas homens correndo atrás de uma bola. É muito gostoso torcer pelo time de nossos pais, porque sempre haverá algo para dividirmos juntos. Infelizmente o vovô nunca me levou a um jogo do Galo, mas eu tenho certeza que levaria você. Um dia a mamãe vai falar com você sobre machismo e conservadorismo.

Infelizmente o vovô dos alpes partiu antes de ver o Galo ganhar a Copa Libertadores em 2013. Acho que lá de cima ele iria rir se eu dissesse para ele que ele era o pé frio, pois depois que ele partiu, o Galo ganhou o campeonato mineiro daquele ano, no ano seguinte a Libertadores e ganhou a Copa do Brasil no dia em que eu ouvi seu coração bater pela primeira vez (e contra nossos rivais!). Ele costumava chamar os cruzeirenses de “elas”, mas um dia a mamãe vai te explicar que esse não é um jeito respeitoso de tratar o seu rival (e nem a ninguém). Um dia vamos conversar sobre escolhas.

Quando eu o visitava na Alemanha, a gente assistia a todos os jogos do Bayern na sala do apartamento dele. Havia tapete por todos os lados, era pequeno, mas aconchegante e eu sempre dormia em paz no seu sofá. Toda vez que eu ia ao banheiro e o Bayern fazia um gol, o vovô me mandava ficar por lá... tínhamos essa brincadeira do pé frio. Um dia a mamãe vai te ensinar o que significa ironia do destino.

O vovô cozinhava muitíssimo bem e cuidava muito bem de sua casa. Ele limpava o apartamento e passava aspirador de pó em tudo (até disso eu sinto saudade). Lavava e passava suas roupas como ninguém. Ele adorava plantas. Ele adorava ver as estações passarem da janela do meu quarto em seu apartamento. Um dia ele filmou o pôr-do-sol e esse vídeo me ajudou muito quando a saudade doía tanto que a mamãe ficava sem ar. Um dia a mamãe vai te ensinar a cuidar de seu espaço.

As especialidades do vovô eram pato recheado assado (ele fazia um recheio com os miúdos do pato, maçã e não sei mais o quê e costurava dentro do pato como se fosse um cirurgião), Spätzle, uma carne defumada com ovo frito em cima (deliciosa), macarrão (eu amava seu macarrão com molho ao sugo) e ele fazia a melhor mesa de frios que eu já comi na vida. Ele cuidava de tudo com muito carinho e às vezes era até chato com isso. Vovô era bastante sistemático, mas gostava de me chamar de “Penibel”, que significa “meticuloso”, mas acho que ele queria era dizer que eu sou sistemática com algumas coisas como ele era. Ríamos muito disso. Um dia a mamãe terá todo prazer do mundo em te ensinar a cozinhar.

O vovô me ensinou a jogar dominó, ludo e mahjong (jogos bem fáceis, talvez você nunca os jogue, né?). Ele fez um tabuleiro de damas com ludo para mim e construiu uma caixa com um dominó lá dentro. Estou guardando para você, espero que um dia possamos jogar juntos.

O vovô passou muito tempo longe de mim e isso deixou o coração da mamãe muito triste. O seu nascimento me trouxe de volta para a minha infância e tem sido difícil entender muitas coisas. Eu acredito que Papai do Céu tenha trazido você para a minha vida, pois assim meu coração vai cicatrizar. Um dia a mamãe vai falar sobre tristeza, solidão e expectativas com você, meu filho.

O vovô dos alpes era muitas coisas. Todos nós somos, você vai aprender isso também. Ele cometeu erros, mas também acertou muito. Depois de meus onze anos eu passei a vê-lo muito pouco, mas mesmo assim ele sempre ocupou um espaço enorme em meu coração. Quando estava perto da gente encontrar, ele dizia que iria me dar um abraço apertado, daqueles que quase quebra os ossos. E eu sinto muita falta disso. Nunca deixe de abraçar quem você ama, meu filho.

O vovô tinha um colega de trabalho que era russo. Ele ensinou algumas palavras para ele, dentre elas, “Druschba”, que significa “amizade”. Não me lembro muito como, mas essa virou a nossa palavra. Ele inventou um movimento com o braço para cima sempre que a dizia e era um código entre nós. Dizíamos sempre ao nos despedirmos. Druschba foi a última coisa que o vovô me disse quando o deixei no hospital para voltar ao Brasil. Lembro-me como se fosse agora de ser tirada do quarto enquanto, deitado na cama muito doente, ele levantava o braço para mim pela última vez. Tenho certeza que você será um grande amigo, filho meu.

Depois que surgiu a internet (pois é, a gente viveu sem ela muitos anos), o vovô gostava de ver no mapa onde eu morava. Ele amava mapas e sabia quase todas as estradas do Brasil. Quando ele morou aqui precisou muitas vezes viajar a trabalho e na maioria delas ia de carro. Ele me ensinou a gostar de conhecer os lugares, de andar a pé, de observar. De alguma maneira isso ajudou a mamãe a escrever. E eu espero poder te ajudar a encontrar algo que você ama em sua vida.

Falando nisso, você tem uma característica muito parecida com o vovô, já agora. Desde que começou a enxergar melhor as coisas, você sempre se encanta quando vê uma árvore. O vovô dos alpes amava árvores. Ele catalogou milhares de espécies e sabia trabalhar com madeira como ninguém. Quando eu era pequena ele fez um lindo cavalinho de balanço para mim, um dia eu te mostro a foto. Ele fez o jogo que eu falei e sempre construía coisas lindas.

Ele amava navios. Sempre comprava modelos para montar, até que um dia ele resolveu fazer um do zero. Comprou um modelo só para pegar o passo a passo e construiu tudo de madeira. Ele comprou um caderninho onde anotava as horas trabalhadas nesse navio. Amarrou as cordas do navio com fios de nylon e linho. Infelizmente ele nunca terminou esse navio e hoje ele está na casa do tio Gerhard, irmão e melhor amigo do vovô.


Hoje quando você olha uma árvore, você suspira e fica muito excitado. Estica seus braços, sorri e ali, na sua relação com a natureza, você parece ser alguém de muita sabedoria, meu filho. A mamãe vai te contar tudo do vovô dos alpes, para que você sempre saiba quem ele foi e pense nele com carinho. A mamãe deseja que o seu papai fique por perto por muitos e muitos anos e que um dia você se despeça dele e da mamãe num tempo que... certo nunca vai ser, mas que seja natural. E um dia a mamãe vai tentar te ensinar o que isso significa.

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Dorme, meu filho

Antônio nasceu chorando um choro baixinho. Olhou para mim e seu pai e ficou em um suave murmúrio que revelava o pouco que compreendia da maior transformação pela qual passaria em sua vida. Do ventre para a luz do dia. Eram duas e vinte e sete da tarde.

Quando em minha barriga, tinha seus horários de agitação maior, mas pelo que me lembro mexia fora desses momentos também. Sempre muito educado, respondia de pronto aos meus chamados, no que hoje eu reconheço como aquele sorriso gostoso que ele lança para mim quando nossos olhares se encontram.

Sua chegada foi tão intensa que eu não sou capaz de lembrar como foi nossa primeira madrugada. Após um semestre de trabalho intenso, noites mal dormidas porque nenhuma posição fazia meu corpo descansar e mais de vinte horas entre o início do trabalho de parto e sua fase ativa, eu estava esgotada. E não fazia a menor ideia do que me esperava logo ali.

Demos sorte do alojamento estar vazio e seu pai dormiu na cama ao lado da minha. Antônio dormiu enroladinho na manta, grudado em mim. Lembro que na segunda noite eu e seu pai comentamos como parecia um bebê tranquilo. Depois, numa autorreflexão ainda em tempo, pensamos ser melhor não cantar vitória antes da hora.

Viemos para casa e sua primeira noite já foi agitada. Era meu aniversário e as duas avós planejaram um bolo para mim, e de repente umas vinte pessoas enchiam o apartamento. Ainda atordoada do parto, eu fiquei a maior parte do tempo em seu quarto com você e as pessoas entravam aos poucos para te ver.

Era uma quinta-feira. Seu pai ficaria conosco de licença somente até domingo, mas eu ainda não havia pensado nas implicações disso. Eu estava completamente aérea, algumas coisas eu retive, outras não sou capaz de narrar.

Mas me lembro muito bem que nesses poucos dias que o tivemos o tempo todo conosco, foi um Deus nos acuda. Antônio chorava muito. Logo nos primeiros dias demonstrou ser dono de seus desejos e lutar por eles com afinco. O tal rolinho com a manta e o “shhh” em seu ouvido se mostraram totalmente inúteis. Aquele vídeo do americano fazendo mágica com vários bebês parecia efeitos especiais criados em Hollywood.

Ali começava uma saga que até agora, quando Antônio completa cinco meses de uma deliciosa existência, não teve fim.

Antônio até que dorme. Não chora muito mais. É uma doçura de criança. Fica de bom humor a maior parte do tempo, ri para todos, raramente estranha alguém. No entanto, acorda, em média, sete vezes por noite.

Há exatos cinco meses eu não sei o que é dormir mais de três horas seguidas. E três horas deve ter acontecido no máximo duas, três vezes. O padrão são duas, estourando duas horas e meia. Na maioria, de uma hora e meia em uma hora e meia.

Quando em minha barriga eu dizia que Antônio dormiria no berço desde o início. Eu tinha receio dele se tornar uma criança dependente de nossa cama.

Antes da concepção e durante a gravidez nós fazemos inúmeras afirmações peremptórias que cairão por terra em frações de segundo. Não adianta fingir humildade. Todas as mulheres fazem isso.

Perto de seu nascimento eu já havia desistido da ideia. Para mim seria absolutamente impossível ficar longe do Antônio. Na primeira noite eu tentei ajeitar seu carrinho para ele dormir ao meu lado, no entanto, compramos um carrinho de passeio que eu odiei por muito tempo, pois é muito desconfortável para recém-nascidos. Hoje eu o adoro.

O carrinho não funcionou, então eu fiz uma barricada em nossa cama e você dormiu ao nosso lado. Dormiu é eufemismo. Você acordava a cada trinta minutos. Quarenta. Cinquenta, quando muito. Mamava durante horas.

Entrei para um grupo de mães no celular e ali fiz amizades. Varava a madrugada conversando com a mãe acordada da vez. Eu estava presente em todas as conversas. Aprendi a ver a noite passar até que relativamente rápido.

Dez dias depois eu lembrei que tínhamos um berço portátil (cabeça de mãe recente não funciona. Em privação de sono então, nem se fala). Montei ao lado de nossa cama e tive a ilusão de ter se iniciado nova etapa.

Ter um bebê que não dorme bem te coloca numa posição muito peculiar diante da sociedade. Há diversas parcelas e todas elas têm suas dicas, julgamentos e gradações de percepção de sua situação.

Eu descobri que mães disputam qual filho dorme melhor. Aqueles que dormem a noite toda recebem glórias e invejas brancas. Aqueles como Antônio, chega uma hora, recebem olhares de comiseração tal qual aquela figura no Vigilantes do Peso que durante a pesagem semanal perdeu somente 100 gramas.

Fiquei totalmente obcecada em ensiná-lo a dormir. O livro “Soluções para noites sem choro” eu já li duas vezes. Há ali algumas palavras de alento, tais como a reflexão da importância do sono REM para os bebês no que tange ao desenvolvimento cerebral. Dizem que bebês que dormem muitas horas seguidas podem ter um desenvolvimento mais lento.

Aí você se agarra a essas coisas e começa a achar que seu filho vai ser superdotado, só pode. O livro fala em duas, três acordadas para bebês de quatro, cinco meses. Há noites em que isso acontece, assim como há noites (a maioria delas) em que Antônio acorda de oito a dez vezes num período de oito a nove horas.

É enlouquecedor.

Para mim, que atualmente desconheço o significado de uma noite de seis horas seguidas (ao menos isso), o sono de Antônio se tornou meu Santo Graal.

E como fazer para aqueles que dormem entenderem isso?

Infelizmente temos a péssima tendência a não sentir empatia por aquilo que não vivemos. Claro, não vamos generalizar. Eu recebo os “tadinha”, “nossa, você precisa dormir” e até “como posso te ajudar?”, das pessoas mais próximas. Mas no fundo, no fundo, a Terra continua girando e meu problema é apenas o meu problema. No dia seguinte ninguém lembra que eu não dormi e eu tenho que ser simpática, querer receber visitas, ir em eventos e viver uma vida normal. No entanto, a cada mês que passa, me sinto mais próxima da loucura.

Nesses cinco meses já perdi a conta de tudo que eu fiz para o Antônio dormir direito.

E aí o mundo cai de braçada na sua desgraça, porque opinião é uma coisa que todos têm e a-do-ram dar, não é? Uns dizem, outros insinuam, outros escondem no olhar achando que eu não percebo e há algumas poucas almas que realmente entendem.

“Meu Deus, esse menino mama demais, você precisa espaçar as mamadas!”
“Dá bico”
“Não dê bico de jeito nenhum, senão ele vai parar de mamar no peito!”
“Faça cama compartilhada”
“Tira esse menino da sua cama, eu li uma reportagem, você pode matá-lo sufocado”
“Leva pro quarto e deixa chorar”
“Não deixa chorar, é maldade”
“Nina até ele estar totalmente adormecido”
“Não nina de jeito nenhum, senão você vai virar escrava dele”
“Não dê o peito, ele não pode dormir no peito”
“Deixa dormir no peito, põe num colchão no chão e saia devagar”.
“Ele dormiu muito à tarde, está descansado”
“Ele precisa dormir muito à tarde, senão não dormirá bem à noite”
“Deixa ele ficar cansado de dia”
“Será que seu leite é suficiente?”
“Será que seu bebê não tem um problema mais sério?”

Eu já ouvi todas essas coisas, algumas mais de uma vez, de pessoas muito próximas a pessoas que eu nunca vi pessoalmente.

As pessoas realmente acreditam saber o segredo do meu Santo Graal.

Se tem uma coisa que eu descobri nesses cinco meses é que não existe manual, não há bebê igual, uma coisa que funciona numa casa não vai funcionar na outra.

Antônio já dormiu ao meu lado, já dormiu no berço portátil, já tirou várias sonecas no colo das avós, há dois meses foi para o seu quarto e dorme em seu berço. Há dois meses eu comecei uma rotina que já passou por diversas variáveis.

Já comecei às 19:00, às 20:00, às 21:00. Já deu certo por um, dois dias.

No início era assim:

1. Shantala (descobri que Antônio entende a massagem como um código para ficar absolutamente elétrico) no escuro, coloquei música clássica, a cantiga alemã que meu pai cantava para mim, canções de ninar brasileiras, MPB, som branco (barulho de chuveiro, chuva, floresta, etc);
2. Banho também com a luz bem baixa, falando baixo, dizendo para ele cada passo do que iríamos fazer e que ele iria dormir;
3. Amamentação (muitas vezes dormia aí para acordar assim que eu o encostava no berço);
4. Ninar cantando, fazendo “shhh”, tocando música, olhando pela janela, dançando.

Na primeira semana houve um dia em que ele dormiu quatro horas.
Comemorei.
Muito, muito tola.

Já entrei para um grupo de sono e saí, porque não estava aguentando mais todos os bebês evoluindo com a rotina, menos o meu.

Enfim, comecei uma rotina nova, que às vezes dá certo, às vezes não:

1.Entre 19:00 e 19:30 lemos uma historinha com Antônio balançando as perninhas ávido para morder o livro;
2. Ouvimos e cantamos Galinha Pintadinha;
3. Dou um pouquinho de chá de camomila na colher;
4. Assim que ele começa a bocejar, dou o banho e coloco uma música tranquila, muitas das vezes eu canto junto (aqui ele ainda acha que é hora de farra, chuta a água, ri com a cara mais moleque do mundo, mas diariamente sai fungando meu peito e com chorinho de sono);
5.Amamentação;
6.Berço. Aqui mora o perigo. Essa rotina me foi ensinada por uma amiga muito querida, também mãe de um Antônio (ao que parece, é mal do nome). A regra é: ninar jamais. Colocar com ele ainda um pouco desperto.

Aprendi que virá-lo de lado funciona. Que um bonequinho que eu comprei na gravidez virou seu companheiro, Antônio o abraça e dorme sereno.

Mas... cada dia é um dia.

O regime é militar. Ele precisa dormir ao menos três sonecas ao longo do dia: uma em torno de 10, 10:30, outra entre 12:30, 13:00 e por volta de 16:00, 17:00. Quando isso não ocorre, em 90% das vezes a noite é um inferno.

Eu faço esta rotina noturna há duas semanas. E ele segue acordando de duas em duas horas nas primeiras duas, três acordadas... no restante, de uma em uma hora. Às vezes eu consigo ninar sem tirá-lo do berço, dando o bico (sim, cedi ao bico, joguem suas pedras). Às vezes ele dorme assim e cinco minutos depois abre o berreiro. Às vezes abre o berreiro de cara. Às vezes dorme tranquilo por três horas.

Aí vem outra questão: se eu dou o peito, ele dorme rápido. Mas se eu dou o peito ele não aprende a dormir sozinho de novo. Se eu dou o peito, eu levo cerca de 15 a 20 minutos entre a hora que ele acorda e eu deitar de novo. Se eu não dou o peito ele chora até ficar elétrico de novo e quando eu volto pra cama eu estou elétrica.

As pessoas repetem com frequência: durma quando ele dormir.

Me desculpem, mas isso só funcionaria com ele recém-nascido, porque eu estava sempre pregada (e nessa época sempre tinha gente aqui, ou seja, não o fiz). Agora eu tenho momentos mais desperta e não tem jeito, por mais exausta que eu esteja, não tenho um botão de desligar em que basta deitar na cama que eu durmo. As pessoas de fora realmente julgam isso possível.

Há outro fator interessante a se mencionar. Me tornei psicopata com barulho. Odeio motos, carros com som alto, ônibus, pessoas chapadas na rua, dias de jogo de futebol (mesmo do Galo, quem diria). Eu achava minha rua tranquila até Antônio nascer. Depois de sua chegada eu percebi que os tacos de madeira do meu apartamento rangem demais. Que a descarga do banheiro é muito alta. Que nós respiramos fazendo um barulho absurdo.

Na época em que ele ficou no meu quarto eu e seu pai ficamos escravos. Às vezes o jeito de deitar na cama o acordava. Como colocávamos o controle remoto no móvel da TV, a descarga do banheiro, o vibrador do celular, ou, e eu juro que Antônio veio da fábrica com um radar, o simples fato de eu deitar na horizontal o acorda.

Além do sono absurdo, o maior problema de ter um bebê com dificuldade de emplacar no sono é eu ter me tornado uma pessoa que pensa nisso o tempo inteiro. Sair atrapalha. Visita atrapalha. Eventos atrapalham. Dá vontade de ir pra um quartel militar e eu acredito que apenas as mães de filhos pequenos me entenderão, porque as que não têm não sabem e as mães de filhos maiores esqueceram como é.

Há também as palavras de alento que saem pela culatra. Quando Antônio acorda cinco vezes numa noite a impressão que se tem é que eu dormi bem, “muito”. Pois bem. Eis uma breve descrição de minhas noites mais críticas atualmente:

Vai dando sete da noite eu já fico alerta. É necessário que Antônio desacelere. Não dá pra fazer muita estripulia, senão ele fica excitado de um jeito quase irreversível. Se eu estiver na rua, fico estressada. Se tiver alguém aqui, fico estressada. Se alguém ameaçar pular ou cantar na frente dele, tenho vontade de fugir pra um hotel e só voltar no dia seguinte.

Vamos para a sala, leio uma historinha, coloco Galinha Pintadinha e dou o chá. Ele arrota, vamos ajeitando suas coisas para dormir. Levo para o banheiro e coloco uma música leve (ultimamente tenho ouvido Adriana Partimpim, é bonitinho). Quando eu o coloco no trocador da banheira ele já começa a sacudir as pernas como se aguardasse um trio elétrico passar.

Dou o banho sem reagir às suas bagunças, falando mais baixo, cantando a música para ele. Seco, coloco a fralda, troco a roupa e ele já começa a reclamar. Quando eu o pego no colo ele começa a fungar em meu peito (adoro isso) e ficar com um chorinho manso. Vamos para o seu quarto.

Penteio seus cabelos já no escuro e vamos para a poltrona de amamentação. Há dias em que Antônio mama com vigor, outros em que mama só um pouquinho. Já achei que isso faz diferença, mas por enquanto nada me provou o contrário. Há dias em que ele já dorme aí, em outros vamos para o berço e ele adormece relativamente rápido e há aqueles em que me dá um verdadeiro baile durante uma hora, até duas.

Antônio dorme.

Como passei o dia com ele, nessa hora eu já estou com fome. Seu pai chega do trabalho e eu peço que vigie a babá eletrônica para eu tomar banho e comer. Há dias em que funciona, em outros ele acorda quatro, cinco vezes chorando assim que eu seguro o garfo. Perdi a conta de quanta comida fria eu comi nesses cinco meses. Há dias em que seu pai consegue fazê-lo dormir. Em outros ele chora como se eu tivesse morrido e eu tenho que acudir. Não sei se consigo fazer o método do choro assistido.

Há cerca de um mês combinei com seu pai que nas primeiras acordadas, quando ele ainda não tiver ido dormir, ele tentará niná-lo. No entanto, poucas vezes dá certo. Já conseguimos, é fato, mas na maioria das vezes eu não consigo voltar a dormir enquanto não vejo que Antônio dormiu.

Tomei banho, comi, vou deitar. Tem acontecido de eu ficar elétrica e custar a dormir. Quando durmo, meia hora depois ele acorda. Tem acontecido também de eu ficar psicótica com a babá eletrônica: só consigo dormir virada para ela, às vezes cismo que algo está obstruindo sua respiração ou simplesmente acontece de eu olhar e ele acordar.

(Versão noite boa) Antônio dorme às 20:30. Eu como, tomo banho e converso com seu pai sobre o dia. Deito às 23:00. Às 23:15 Antônio acorda. Seu pai vai lá, eu ouço pela babá eletrônica. Antônio torna a dormir, são 23:25. 23:30 ele acorda em prantos, tenho que dar o peito. Ele dorme, são 23:42. Eu deito novamente. Resolvo olhar internet no celular, custo a dormir. São meia-noite e uns quebrados, eu durmo. 01:40 Antônio acorda. Seu pai vai lá, ele esgoela, é hora de mamar. Antônio mama e adormece relativamente rápido. Volto para a cama, são 2 da matina, eu já babando de sono. Não sei quanto tempo levo para dormir, mas durmo. 4:15 Antônio chora. Seu pai dorme, tem de trabalhar no dia seguinte. Arrastando, eu vou ao seu quarto, tento dar o bico e fazê-lo dormir sem peito. Não consigo, pois mal lembro meu nome e não tenho energia pra passar por toda a catarse. Dou o peito, Antônio dorme relativamente rápido, são 4:30. Volto para a cama, fico olhando a babá eletrônica até dormir. 6:50, horário precioso... se eu não ponho no peito rápido ele acorda para o dia. Ponho no peito e rezo, quase dormindo em cima dele. Ele mama avidamente por dez minutos e dorme, vitória! Deito de novo às 7:00, já quase desperta, mas consigo cochilar um pouco. Uma hora depois ele acorda novamente e quando eu chego no berço recebo aquele sorriso delicioso que quase me faz esquecer como eu queria dormir 18 horas seguidas.

(Versão noite punk) Começo a rotina como todos os dias, Às vezes saímos de dia, Às vezes não. Às vezes ele dormiu as três sonecas de dia, na maioria delas pulou alguma. A saga começa às 20:10. Ele dorme 50 minutos. Vou lá, dou o bico, cantarolo uma melodia, viro ele de lado, dou o boneco, ele dorme. 21:03 está Antônio chorando como se algo terrível tivesse acontecido. Seu pai vai, tenta ninar, chega a pegá-lo no colo. Eu chego, ele olha pra mim com cara de “acho que ele está com fome” e vamos para a almofada de amamentação. Antônio mama pouquíssimo e dorme.22:00 tudo começa novamente. Dou o bico, mudo de posição, ele dorme. 23:10 seu mundo cai. Tento por o bico, ele cospe. Tento ninar, ele chora magoadíssimo, tento mudar de posição, ele vira o corpinho e olha pra mim desolado. Tento lutar, Antônio vence. Vamos pra poltrona. Dorme. Consigo dormir 23:45. 00:18 Antônio chora. Seu pai vai, consegue fazê-lo dormir. Eu, no quarto, vidrada na babá eletrônica. 00:27 uma nova hecatombe. Peito, já estou exausta. Dorme até 2:30. Chora, esgoela, peito. Dorme. 4:35 chora de novo, mama. 4:49. Dou o bico, mudo de posição, dorme. 5:03 dá escândalo. Dou o bico, ele se revolta contra mim. 5:05 ele dorme. Deito quase desmaiando na cama. 6:10 Antônio chora. Vencida, dou o peito, rezando para ele dormir ao menos mais uma horinha pra eu conseguir dialogar durante o dia. Ele chora, olha os bichinhos no quarto, ri pra mim, mama e solta o peito. Eu resolvo lutar com todas as minhas forças (leia-se 7% da minha energia vital) e consigo, uma hora depois. São 7:10, Antônio finalmente cede. Eu deito, cabeça elétrica. Olho o celular, respondo mensagens das mães amigas. Com sono de novo, durmo lá pra 7:30. 7:57 Antônio acorda, joga o bonequinho pra cima, olha o berço, reconhece o território e me chama. Vou lá e o dia começa.

Agora multipliquem isso aí por cinco meses.

Algumas coisas me preocupam: saúde mental, física e voltar a trabalhar. Tudo interligado.

Não sei se me fiz entender, mas creio que com essa narrativa aqueles que me conhecem poderão compreender melhor quando fico de mal humor, silenciosa, quando não quero receber visitas, sair de casa, sorrir. Espero que os leitores que ou me conheçam ou conheçam outra família com bebês, pensem 1.987 vezes antes de fazer um comentário acerca da situação da mãe de um bebê que não dorme bem. Por melhor que seja a intenção, na enorme maioria das vezes o comentário só servirá para irritar, frustrar, magoar e incitar o ódio dessa mãe às raias da loucura.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

De mim

Ninguém me avisou o quão solitária é a experiência da maternagem.

Talvez porque o mundo cobre da mulher um estado de graça constante. Sentir tristeza em meio a um processo tão mágico se configura como uma espécie de crime social.

Mas, e aí vem o mais curioso, ao me fundir em dois, eu e meu bebê, eu me transformo realmente em dois sentimentos que passam a conviver, quase que diariamente. Antônio é luz, é repouso, é encanto, é beleza, é amor, o mais puro do universo. Sua mãe é a pessoa mais afortunada por tê-lo em sua vida.

No entanto, o eu mulher, ao fundir em dois, se torna um ser cindido e os pedaços acabam espalhados pelo chão e na loucura que eu me transformo, desaprendo a catá-los.

Sim, sou um ser pleno por ter Antônio. Mas também não compreendo o que restou de mim depois que ele saiu do meu ventre e eu ganhei um corpo de experiência passada.

O nascimento – e isso ninguém ousou me dizer – é morte em vida. Nasce um ser, morre uma barriga. Fica um vácuo, que nos primeiros dias é sentido inclusive fisicamente, como se seu corpo ficasse oco, como se os órgãos tivessem descolado e flutuassem nesse lugar que precisa se ressignificar e não sabe muito bem como.  

Eu me torno dois, mas também me ‘destorno’. Destorno porque uma vez mãe, a maioria absoluta das pessoas não me vê mais mulher, não me vê mais sentimento, não me vê mais carência, não me vê solidão, não me percebe triste. Muitas vezes sequer me vê.

Me destorno e me ‘desveem’. É necessário o neologismo, pois no lado negro da maternagem (sim, mundo, há um lado negro) as palavras existentes por vezes se tornam insuficientes para expressar esse lugar/não-lugar.

Soa dramático, sim, soa. Mas é assim que é.

Acho que estou me repetindo, mas que seja, esse espaço aqui é meu.

Antônio saiu de minha barriga e eu não posso chamá-lo de meu. Não devo, não é correto. Antônio é um ser do mundo, um divino e adorável ser do mundo. A minha missão (e a de seu pai) é ensiná-lo a partir, mostrando para ele que nós somos a possibilidade do retorno eterno. O berço, o acalanto, o abraço, o ouvido, o silêncio.

Ser mãe dói, porque a gente passa nove meses acompanhando nossa carne se distender e gerar um outro. Sim, um outro, ainda que dentro de nós. Fundido, mas em iminência de se soltar.

Ser mãe é aprender a se destituir de seu eu primário e ter sempre aquele outro como prioridade absoluta. É não chorar diante dele (ao menos tentar) e inundá-lo de sorrisos, pois ele acabou de chegar e ainda falta um tanto para ele aprender que o mundo é muito diferente daquele ventre que o nutriu e acolheu, daquela voz que cantou para ele todos os dias com a mesma intensidade e amor.

Estou aprendendo a ser mãe e não sei se existe diploma nessa faculdade.

A questão aqui não é esse eu-ser-mãe em processo, que se forma dia a dia a cada delícia e agrura que vier.

A questão é o eu-mulher esquecido pela sociedade que, ao que parece, não aprendeu ou desaprendeu que deixar nascer outro, deixa solidão dentro.

Infelizmente, mundo, gerar alguém me fez constatar que falta humanidade em nós.

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Esse tal de puerpério

Você se prepara.

Matricula na hidroginástica, na yoga, faz acupuntura, fisioterapia, melhora a alimentação, participa de grupos, lê relatos de parto, se abre, se blinda.

Você espera.

Filma a barriga todos os dias, conversa com o bebê o tempo todo, conta os dias para o próximo ultrassom, fantasia como será o rostinho dele.

O tempo passa mais rápido do que você imaginava e ele chega. Lindo, saudável, bochechudo e trazendo consigo o maior amor que você já ousou sentir na vida.

Os primeiros dias passam e você acompanha a madrugada, falhando em cada tentativa de dormir.

Seus olhos teimam em fechar e você desconhece o tal instinto materno, não faz ideia da razão de seu choro.

Dar ou não chupeta, mamadeira? Insistir na dolorosa amamentação?

Os dias passam, os meses passam e você não consegue finalizar uma frase quando ele dorme, porque suas sonecas diárias, quando longe de seu colo, costumam durar dez minutos, e de noite, quando ele enfim aceita o berço, tudo o que você consegue fazer é tomar banho e dormir também. Porque daqui a 40 minutos ele vai chorar de novo e querer mamar e não sair do seu colo.

A máxima proferida pelas mães de bebês mais velhos a mães recentes é “vai passar”.

Quando você ouve isso, tudo parece tão distante... sua memória, sua capacidade de dormir, cozinhar, tomar um banho mais demorado, responder um e-mail, fazer as unhas. Por vezes você se pega questionando “o que eu fiz da minha vida? ”, para logo em seguida ser consumida pela culpa.

Você acha tudo surreal, as vozes parecem assombrosas, a luz, a TV incomoda, o silêncio se torna seu bem mais precioso e tudo o que você quer é que ninguém tire seu filho do seu colo. Você quer ficar colada nele, ainda que aquela coisinha indefesa por vezes te pareça terrivelmente assustadora.

O mundo continua em seu ritmo normal e tudo o que você quer é gritar ‘para tudo que eu pari!”. Ninguém escuta, todo dia tem visita, luzes acesas, pessoas vigiando sua luta pra amamentar.

Você tenta descobrir um jeito de enfiar seu filho de volta na sua barriga.

No desespero você olha seu bebê e pede pra ele trocar aquele olhar confidente, ‘ei, estamos no mesmo barco’. Mas ele não fixa o olhar e às vezes vira os olhos de forma preocupante e você se desespera, o que tem de errado com meu bebê? Aí você descobre que o desespero se tornou seu confidente e é assim mesmo, seu sistema nervoso ainda está amadurecendo.

Seu filho não é mais só seu, senti-lo passa a ser possível a todos e todos querem fazê-lo ao mesmo tempo. ‘Me devolve’, você quer gritar, mas não grita. Você sofre calada, ninguém seria capaz de entender. As pessoas chegam em sua casa e não olham pra você. Elas lavam as mãos e tomam seu filho. Ninguém te pergunta se você está bem.

Você sempre sonhou em amamentar, mas seu peito arde, dói, fere. Quando seu filho mama você sofre, como isso pode estar certo? Você se lembra dos cursos, da pega correta, da foto da Cássia Kis amamentando um garoto de três anos que estava pendurada lá na Casa de Parto onde seu filho nasceu.

Você procura ajuda. Vai no principal banco de leite da cidade e percebe que a pega estava errada, a posição errada e não é recomendado passar nada. Você não consegue fazer seu almoço, mas também não consegue almoçar, porque seu filho insiste em fazer cocô, soluçar, clamar por você sempre na primeira garfada. Quando você finalmente consegue, você come correndo pra pegá-lo de volta, porque ficar longe dele dói.

Um belo dia, de tão exausta, você resolve amamentar deitada no meio da madrugada porque você não consegue ficar sentada sem cochilar. No dia seguinte seu peito arde em brasas. Aparece um ponto branco e você percebe que entupiu um ducto. O pavor toma conta. Você vai à mastologista e ela te passa uns medicamentos com a indicação de ficar três dias sem amamentar no peito machucado. Você não consegue tirar muito leite com a bomba e o que consegue seu filho cospe do copinho. Você não quer dar mamadeira, Deus que livre dele largar o peito.

Não tem como amamentar em paz, sempre tem alguém em cima de você ou comentando sobre seu peito, seu leite, seu jeito de amamentar, ou falando sobre outros assuntos. Você cogita fugir com seu bebê pra uma caverna. Se pergunta como alguma coisa vai passar, nada vai passar, vai ser assim pra sempre.

Em prantos você procura uma solução para o seu peito e acha um artigo com um passo a passo para desentupir o ducto. Você toma um banho quente e enquanto isso seu bebê chora muito no colo do pai, que te olha tenso. Você fica tensa, você precisa tirar o leite, mas ele não vai tomar depois. Você esteriliza uma agulha e fura o ponto branco. Você sacode o peito, põe na bomba e um tempo depois põe seu filho pra mamar. Dói. Dói um absurdo. Você chora muito e se culpa. Você lembra daquela droga de livro que diz que seu filho e você estão fundidos e acha que causará um trauma nele por estar amamentando tão arrasada.

Os dias começam a passar. Seus peitos melhoram. Estão chegando os primeiros 45 dias e você propõe ao seu marido uma volta na rua, sob pena de você enlouquecer se não o fizer. Você arruma o bebê e vocês dão uma única volta no quarteirão. Algumas pessoas olham com ternura, as pessoas te veem, você ainda existe. De repente tudo não parece tão terrível, vocês conseguiram dar a volta no quarteirão.

Um dia você está com seu bebê no colo na sala e seu marido acorda e vem dar bom dia.

Antônio sorri.

Você não acredita. Seus olhos se enchem de lágrimas, Antônio despertou para o mundo.

Como um passe de mágica você consegue amamentar, interagir com seu filho, sair na rua. Receber visitas passa a ser agradável. Você reconhece aquele choro: é fome, é sono, é dengo. Aos poucos você vai se ajeitando até o dia em que você finalmente consegue cortar os cabelos e fazer as unhas.

De repente tudo ficou pra trás e lá está você sonhando em engravidar de novo.

Há quatro meses e cinco dias Antônio nasceu e mudou tudo.

Há quatro meses você se sentiu a mulher mais feliz do mundo. Bonita, fêmea, pulsante.

Uns dias depois você achou que havia mergulhado num caos eterno.

Até que passou. Meu puerpério passou e eu sobrevivi.

Até esqueci algumas coisas e hoje sou eu a proferir o mantra “vai passar”.

Hoje há novos desafios, ele ainda não dorme mais de duas horas e meia seguidas, mas o sorriso que você recebe todas as manhãs compensa cada segundo da sua vida inteira.